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Leitura dinâmica funciona?

Quem quer que já tenha empilhado cinco livros lidos pela metade já deve ter buscado socorro nos métodos de leitura dinâmica.

Os cursos de leitura dinâmica prometem um mundo de maravilhas. Cabe-nos perguntar se eles efetivamente entregam o que prometem – e, além disso, se aquilo que entregam vale a pena.

A resposta a essas questões parece ser, nos dois casos, mais ou menos.

Deixem-me explicar.

Comecemos do começo. Em geral, nós lemos pouco. As estatísticas (e as capas bonitinhas de muitos livros editados atualmente) indicam que o brasileiro compra poucos livros; e que alguma parte do que compramos não tem outra serventia senão a de enfeitar nossas mesas de centro e as estantes coloridas com que tentamos imitar a estante da Tatiana Feltrin. Por outro lado, aqueles de nós que têm o hábito da leitura lêem, em geral, muito mal.

Os cursos de leitura dinâmica prometem a cura para esses dois males: prometem aumentar o ritmo da leitura (e, com isso, o volume delas) e, além disso, melhorar a sua qualidade, estimulando o leitor a contextualizar o livro e a bem relacionar as partes dele com o todo.

Até aí tudo parece muito bom.

Porém, há aí dois problemas.

O primeiro deles é que a velocidade de leitura não é necessariamente um bem; e pode, em muitos casos, ser um mal.

Como assim?

Veja: entre os livros que merece ser lidos e relidos e aqueles que jamais deveriam ter sido escritos há uma diversidade de outros tantos que merecem nada menos que uma lambida. Mortimer J. Adler e Charles van Doren, no seu clássico Como ler livros (É Realizações), são enfáticos nesse ponto: em três milênios de cultura ocidental, apenas algumas poucas dezenas de livros merecem ser realmente lidos e relidos (na mais bondosa das hipóteses, esses livros não passam de algumas poucas centenas); os demais não merecem senão uma leve vista d´olhos. Esses demais, que chamaríamos secundários, merecem ser lidos, preliminarmente, pelo método inspecional — que pode e deve funcionar como um filtro em resposta à pergunta: esse livro realmente merece a minha atenção? Se após a leitura inspecional a resposta for positiva (“Sim, esse negócio merece ser lido“), é quase certo que a leitura dinâmica lhe poderá ser, neste caso específico, útil e até necessária.

Porém, para os livros realmente importantes, a leitura dinâmica pode ser desastrosa, porque — é evidente — o leitor hiperveloz não absorve todo o conteúdo do livro e — principalmente — não é capaz de digeri-lo adequadamente. O leitor dinâmico é aquele que, como o operário subordinado a um patrão injusto, tem dez minutos para traçar um quilo de comida. Resultado: ele corre sérios riscos de ter indigestão. E mais: depois de um ano submetido a essa maratona, já não tem lá muito prazer em almoçar; fá-lo, atabalhoadamente, por simples dever.

Portanto, a leitura dinâmica só deveria ser colocada em prática em livros secundários (e só naqueles que merecem ser lidos, após passarem pelo filtro da leitura inspecional), e nunca em obras mais densas e mais relevantes, pois elas são como uma joia que precisa ser apreciada com vagar; ou, se se quiser, são um alimento precioso que pede para ser degustado com tempo e com calma.

A aquisição da cultura é um trabalho de lenta decantação. As águas através das quais a inteligência lê a realidade se turvam com a agitação.

O segundo problema da técnica de leitura dinâmica é que seus mestres correm o risco de estimular uma cultura excessivamente livresca, que acaba tendo pouca relação com a própria realidade da qual os livros falam. Como toda técnica, a leitura dinâmica isola seu objeto (o livro) e, em certo sentido, desconsidera tudo o mais. Em linhas gerais, o indivíduo fruto-perfeito (o aluno nota dez) dos cursos de leitura dinâmica é alguém que consegue ler centenas de livros por ano — e talvez até saiba dissertar um pouco sobre cada um deles –, mas que, porém, esqueceu-se de olhar, com atenção e com espírito meditativo, para o assunto a respeito dos quais os livros estavam falando. Parece-me, por isso, que os cursos de leitura dinâmica estimulam o muito ler e o pouco refletir (não é à-toa que são sucesso absoluto entre os concurseiros). Esse não é um problema intrínseco do método; mas, antes, daqueles que se interessam por ele e nele buscam o que ele pode oferecer.

Enfim, loas aos professores de leitura dinâmica, sensatos e honestos, que reconhecem as limitações de seu método.

Em linha de conclusão, é razoável entender que as técnicas de leitura dinâmica podem ser benéficas desde que:

i) você consiga aumentar a sua velocidade de leitura sem perder a compreensão do texto (seja para a leitura de livros ótimos, seja para a de livros secundários — e que, na leitura dos primeiros, saiba e possa fazer paradas estratégicas para digerir, com calma, o conteúdo do que está lendo); e

ii) aprenda a fazer a leitura inspecional do livro antes de se decidir a lê-lo (nem todos os livros merecem ser lidos; a alguns basta a leitura inspecional para que ele lhe entregue tudo o que têm de relativamente precioso). Vale aqui a lição imorredoura de José Ortega y Gasset: a expressão de caridade própria de nosso tempo parece ser a de não publicar livros desnecessários.

Porém, esses benefícios só atingirão seu máximo potencial se você não se esquecer que:

i) há livros que merecem ser lidos linha por linha, devagar e sempre (são poucos, mas são bem conhecidos. A lista que Mortimer J. Adler anexou à sua obra é um bom exemplo disso, e além dela há outras tantas boas e razoáveis); e

ii) os livros se referem a algo que está fora deles – ou seja, para além dos livros há uma ampla e interessantíssima realidade esperando por ser explorada e compreendida. Os livros podem nos ajudar a interpretá-la, mas jamais podem substituí-la.

É o parecer, sub censura.

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***

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