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Políticas de incentivo à leitura

Eu não acredito em “políticas de incentivo à leitura”.

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Minha própria experiência me diz que o estabelecimento do hábito de leitura (hábito que só se justifica se for um instrumento da busca pela satisfação intelectual ou do desejo de fruição estética), depende de pelo menos três fatores:

i) o indivíduo tem que carregar consigo certa inquietação, tem que sentir uma espécie de privação, que é ao mesmo tempo estimulada e apenas parcialmente satisfeita pelo ambiente em que vive;

ii) o indivíduo tem que entender de que modo a leitura de livros atende parcialmente a esse anseio. Quer dizer: ele tem que entender mais ou menos “como essa chave de fenda pode ser usada para apertar esse parafuso específico”. Sugestão: a leitura é a oportunidade de se encontrar (de alguma maneira, encontrar realmente) com alguns dos seres humanos mais interessantes e de assimilar suas ideias mais estimulantes;

iii) o indivíduo tem que perder a síndrome do vira-lata. Quer dizer: ele tem que ser capaz de pegar um diálogo platônico dos mais complicados (o Parmênides ou o Timeu, por exemplo), ou uma obra de Heidegger ou de Edmund Husserl, ou a Divina Comédia, e, ainda que não as compreenda no início, ser capaz de se sentir um membro da mesma espécie desses escritores. O reconhecimento inicial dessa afinidade é capaz de estimular, aos poucos, a compreensão da obra. Do contrário, esses gênios não passarão de livros nas estantes e de quadros nas paredes — quando na verdade eles deveriam ser nossos companheiros de viagem.

Enquanto as “políticas de incentivo à leitura” não forem capazes de identificar e de estimular essas disposições, podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião.

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A única política eficaz de incentivo à leitura que eu recebi na infância foi a estática, maravilhosa e enigmática estante de livros do meu pai.

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