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Os 20 livros que mais me impressionaram

Este texto é uma explicação (portanto, mais detalhada, mas também mais abrangente) do vídeo que gravei para meu canal no YouTube.

Ocorre que ao longo de uma formação intelectual os livros geralmente não ocupam a parte mais importante. Isso porque há diversas outras fontes de conhecimento e de experiência que precisam ser valorizadas e usufruídas com sabedoria. Porém, não é possível desconsiderar que os livros nos permitem ter encontros que sem eles não seriam possíveis: os livros nos colocam em contato com autores já falecidos, com autores que não deixaram escritos (e, neste caso, o livro é um testemunho indireto de seu ensinamento oral) e com autores distantes de nós no espaço.

Além disso, o livro não é qualquer momento do autor, mas sim um momento muito especial. Se considerarmos o trabalho que dá escrever e publicar um livro bom, entenderemos que ali está parte preciosa de uma inteligência.

Tirei algumas horas do meu dia para garimpar duas dúzias de livros que foram importantes para mim. Essa lista não trata necessariamente dos melhores livros — nem sequer trata somente de grandes livros. Entendam que estes livros sequer são os livros mais importantes que eu li. São apenas os livros que, por circunstâncias de tempo, lugar e pessoa, mais foram capazes de modificar (ou de confirmar) os rumos que eu tomava quando os conheci.

A intenção deste post é indicar que o começo de uma vida de estudos é constituído de livros de qualidades e de pesos muito variados.

IMG_2737O primeiro livro importante que eu conheci foi Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, pai. Quando tinha seis ou sete anos, meu pai me disse que se eu lesse essa obra eu ganharia um aparelho de som como o que tínhamos em casa, um Gradiente. Não cheguei a lê-lo na época, até porque eram três volumes com algumas poucas figuras. Só o li 25 anos depois. O livro do Alexandre Dumas me impactou antes mesmo que eu pudesse entender de que ele falava: ele simbolizou para mim, muito cedo, as recompensas que a cultura nos oferece. No meu caso, a recompensa era ainda mais cultura, porque eu era fascinado com os LPs que tínhamos em casa.

IMG_2704Um longo hiato. Os livros voltaram a me encontrar no meio da adolescência. Nunca tive quem me desse orientação para leituras. Um colega de colégio me emprestou um livro de sua mãe, chamado Otimismo em Gotas (diversos autores). É uma obra de auto-ajuda. Na verdade, é uma seleção de ensinamentos de diversos filósofos, escritores e gurus e de frases bíblicas. A cultura brasileira, aí incluídas nossas escolas, é tão medíocre que eu só vim a conhecer Goethe através desse livro de motivação. A frase “toda teoria é cinza e verde é a árvore dos frutos dourados que é a vida” ficava pulsando em meu coração.

IMG_2705Foi também ele quem me despertou para a leitura dos Evangelhos. Jamais me esquecerei da sensação que tinha ao ouvir o que Jesus Cristo disse a seus discípulos em sua despedida: “No mundo tereis aflições, mas não vos preocupeis: eu venci o mundo!” Embora estivesse bem distante da Igreja, passei a ler com frequência os quatro Evangelhos e tive a certeza de que os ensinamentos de Jesus eram a solução para muitos dos nossos problemas. Eu só não sabia, naquela época, que ele era (e é) a única solução.

Ainda na adolescência, tive contato com dois livros do tipo “crise do mundo moderno”: Tratado de Psicologia Revolucionária, de Samael Aun Weor; e Tratado de Teologia Profana, de Huáscar Terra do Valle. O primeiro é do criador do Movimento Gnóstico Cristão da Nova Ordem. Não sei muito sobre o autor do segundo, apenas que ele escreveu por um tempo no site do Mídia Sem Máscara. Os dois livros se afinaram bem com minha personalidade juvenil. Através deles eu conseguia encontrar um amparo para minha pretensão de independência. Independência em relação a quem? Não sei bem explicar… Seja como for, a independência intelectual é sempre relativa, porque ela pressupõe a adesão a um emaranhado de ideias que o livram de um outro emaranhado de ideias. O primeiro livro me livrou das ideias puramente consumistas e dos hábitos de subordinação à mentalidade canina que eu via até mesmo em muitos daqueles que estavam em postos de autoridade; o segundo, das ideias de obediência religiosa. Não consigo entender hoje como essas ideias podiam representar para mim alguma ameaça — mas a verdade é que elas não tinham defensores sensatos. Além disso, os interditos religiosos (é assim que geralmente o vê quem está de fora) pareciam entrar em choque com tudo o que prometia doses generosas de felicidade a um jovem latino-americano; isso, para um adolescente, é razão suficiente para deixarem de ter vigência.

IMG_2707Uma certa inconformidade com o ritmo das coisas e uma vocação para a discussão e para a polêmica fizeram desses dois livros, na época, para mim, exemplos de como se posicionar diante das questões humanas. Provavelmente eu não subscreva hoje sequer uma palavra do livro do Huáscar do Vale, mas não dá para negar que esse senhor brigava por uma causa que julgava justa e coerente.

IMG_2708Entre o Ensino Médio e a Faculdade de Direito, uma professora de inglês me indicou O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder. Comecei a lê-lo, mas não terminei. Foi a primeira vez que eu tive contato, ainda que superficial, com as doutrinas dos filósofos. Lembro-me especialmente dos pré-socráticos e de Platão. A única referência que eu tivera no colégio sobre eles foi em uma aula de artes, em que a professora disse que na Grécia havia os sofistas — aqueles que diziam que “nada existe”. Ora, para quem teve essa formação, O Mundo de Sofia é um grande compêndio filosófico. Além de ter conhecido a simpatia da Sofia Amundsen, sou muito grato ao livro pela frase de abertura, de Goethe: “Quem, de três milênios, / Não é capaz de se dar conta / Vive na ignorância, na sombra, / À mercê dos dias, do tempo“. Como já disse em outro texto, eis aí um magnífico programa de estudos que, pensando bem, sigo até hoje.

IMG_2709Na metade da Faculdade de Direito, decidi-me que, uma vez formado, prestaria concurso para promotor de justiça. Li, então, meio que por acaso, o A Arte da Guerra, de Sun Tsu, que me ensinou que para entrar em uma batalha é necessário conhecer o inimigo. Meus inimigos eram as provas que eu enfrentaria; por isso era necessário dominar todos os assuntos. Li dezenas de livros de Direito, estudei por cerca de dois a três anos e fui aprovado nos concursos de procurador federal da AGU, antes mesmo de me formar, e de promotor de justiça e procurador da República, no ano seguinte. Passei um bom tempo praticamente só lendo livros jurídicos.

andarilhoPorém, entre um livro jurídico e outro, li coisas interessantes, como O Andarilho das Estrelas, de Jack London. A narrativa dos desdobramentos astrais que o personagem principal experimentava dentro da prisão era interessante e parcialmente coincidente com os interesses que eu alimentara na minha adolescência. Porém, o que mais me impressionou neste livro foi um poema de Michel Sokoloff com que ele termina o prefácio. A ideia de “liberar na eternidade do desejo este presente sempre renovado”, principalmente soprado ao ouvido por uma voz tão íntima e tão conhecida como é a do eu lírico daquele poema, colocou-me em contato com forças internas que estavam de algum modo adormecidas.

Enquanto estudava para prestar o concurso para o Ministério Público li dezenas de livros jurídicos (que, às vezes, intercalava com Eduardo Galeano, José Saramago e Paulo Leminski — dos quais não tenho muita saudade). Dois livros me marcaram profundamente nessa época, quer pela primorosa edição, quer pela escrita bem talhada. Refiro-me ao Curso de Processo Penal, do Eugênio Pacelli de Oliveira (1ª edição); e às Instituições de Direito Eleitoral, do Adriano Soares da Costa (1ª edição), ambos editados pela Del Rey. Os autores são muito respeitados em suas respectivas áreas. Porém, o principal é que escreviam muito bem — precisamente porque evitavam a utilização de um desgastado e infértil linguajar jurídico, vício de que a maioria dos escritores da área padece irrevogavelmente. O segundo, além de escrever deliciosamente, tratava de um assunto que era muito difícil encontrar em outros autores: ações eleitorais. Eu disse para mim mesmo: se um dia eu vier a escrever um livro jurídico, só valerá a pena se for para fazer como esses dois.

cabmPor outros motivos, também fui muito marcado pelas leituras que fiz do Curso de Direito Administrativo, do Celso Antônio Bandeira de Mello. A revolta crítica com que ele expunha suas ideias, principalmente frente às reformas administrativas do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, mostrava uma independência intelectual que me impressionava — se comparado à Maria Sylvia Zanella di Pietro, que também li mais de uma vez. Eu já quis ser o Celso Antônio Bandeira de Mello.

FullSizeRenderPara terminar a menção aos livros jurídicos, faço referência ao Do Concurso de Pessoas, da (minha, então) prof. Beatriz Vargas Ramos. O tema, fascinante, foi tratado neste livro (que é sua dissertação de mestrado) de forma exaustiva, tanto quanto se espera de um livro que se pretende abrangente a respeito de um tema tão vasto. Dentro do Ministério Público sinto especial predileção pela área criminal; e desconfio que boa parte dessa inclinação nasceu ali mesmo nas aulas da prof. Beatriz Vargas.

IMG_2726Quando já morava em Volta Redonda, RJ, conheci os livros do Alexander Lowen, um aluno e paciente de Wilhelm Reich que criou a Terapia Bioenergética. O primeiro livro dele que conheci foi O Corpo Traído, mas não cheguei a lê-lo.

IMG_2710Li, com proveito, Medo da Vida, do próprio Alexander Lowen. A perspectiva de trabalhar o corpo à luz das teorias psicanalíticas (mas não só) me empolgou um pouco. Foi através da leitura desse livro (e de outros do mesmo autor) e de trechos da Análise do Caráter, de Wilhelm Reich, que comecei a entender que, como disse Carlos Drummond, “um corpo é cheio de surpresas”; que nossas emoções ficam (um pouco como que) armazenadas em determinadas partes de nosso organismo psicofísico, geralmente limitando a nossa compreensão das experiências.

IMG_2711Mais ou menos na mesma época, já morando em Campinas, SP, li O Caibalion, dos Três Iniciados, um livro que pretende expor sistematicamente a doutrina hermética. O Hermetismo era constituído pretensamente pelas doutrina de Hermes Trismegisto. Foi uma sensação nos primeiros séculos de nossa era e teve particular destaque no Renascimento e entre as primeiras mentes da Revolução Científica. Hoje se sabe que os textos são uma espécie de fraude editorial, pois foram escritos justamente nos primeiros séculos depois de Cristo e não — como se entendia — na época de Moisés.

IMG_2713Um livrinho precioso que me deixou duas ou três grandes intuições foi O Filósofo Autodidata, de Ibn Tufayl. Trata-se da história de um jovem rapaz que através da observação da natureza e dos homens vai cunhando sua própria cosmovisão. Algo que ele fala sobre a beleza me interessou muito, mas me lembro perfeitamente da noção da alma humana como um conjunto de espelhos na qual idealmente veríamos a imagem de Deus. Ocorre que esses espelhos acabam ficando muito sujos. A missão do homem seria limpá-los de modo a refletir a luz que vem de cima. Se não me engano, o livro é inspirado em lições neoplatônicas. Mas o que ele disse sobre a beleza? Não me lembro bem. Só sei que enquanto lia esse livro eu conheci, se bem que à distância, quando ainda era solteiro, a mulher mais bela que eu até então havia visto em toda a minha vida. Ela estava acompanhada, mas isso não tinha importância, porque acho que vi nela a concretização relativamente fiel do arquétipo feminino em toda a sua extensão. Eu estava com alguns amigos em Praga, na República Tcheca, numa casa noturna, e tudo — a dança, a roupa discreta, o sorriso, o olhar — me fascinaram a tal ponto que fiquei alguns dias um pouco aéreo. Entre parêntesis: eu não estava excessivamente alcoolizado e nunca usei drogas. Provavelmente não teria tido essa experiência se não tivesse lido esse livro.

IMG_2712Em determinada fase de meus estudos comecei a me interessar pela educação — tanto pelo processo de aprendizagem como pelo tratamento jurídico do assunto. Li, então, o livrinho Escola e Democracia, do Dermeval Saviani. Um livrinho bem ruim, mas que, apesar disso, me incentivou a escrever sobre o assunto. Logo percebi que, antes, precisava estudar a fundo o tema e, não menos importante, ter maior fundamentação filosófica — o que me levou a prestar vestibular para filosofia na Unicamp e na PUC de Campinas (história que já contei em outro post). Senti-me estimulado a escrever sobre a educação para contradizer as ideias que esse pequeno livro trazia (vim a saber, mais tarde, que boa parte das ideias contra as quais eu queria escrever era, em geral, marxismo puro e simples). De qualquer modo, sou grato ao autor, que despertou em mim o desejo de escrever (o meu livro provavelmente sairá daqui a um ou dois anos e será, naturalmente, bem diferente do que imaginei naquela época).

IMG_2714Foi mais ou menos nessa época que retornei o contato com o prof. Olavo de Carvalho, através de seu site. Essa história eu já a contei em outro post. Não há como agradecê-lo suficientemente pelo curso Introdução ao Método Filosófico, a que assisti pessoalmente. Esse curso está sendo reescrito pelo prof. Olavo, com base na transcrição das aulas feita por alunos. Nunca foi apaixonado pelos livros do professor. Eles certamente não são a parte mais importante de sua atividade pedagógica. É certo que o Imbecil Coletivo foi uma grande sensação na época de seu lançamento, mas na minha opinião nada se compara à História Essencial da Filosofia, aos programas TrueOutspeak (principalmente antes de eles começarem a ser gravados em vídeo) e às aulas do Curso Online de Filosofia. Simbolizando tudo o que tenho aprendido com o prof. Olavo de Carvalho, registro a leitura que fiz da apostila-transcrição O Conceito de Alquimia, conjunto de seis aulas que ele proferiu no Rio de Janeiro em 1996.

IMG_2715Há cerca de seis ou sete anos, tive a grata satisfação de ler Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. É o livro da minha vida. Me tornei uma pessoa mais leve, mais bem-humorada, enfim, mais feliz, por ter lido Dom Quixote e por tê-lo conhecido e a escudeiro Sancho Pança. Minha leitura foi feita na edição dos Viscondes de Castilho e Azevedo e, em capítulos alternados, na edição em língua espanhola. Em muitas ocasiões, eu me fazia acompanhar de um audiolivro, também em espanhol, que encontrei em um site de que já não me lembro. O ritmo da leitura do narrador era deliciosamente divertido. Esses arquivos, a que me refiro, podem ser encontrados no YouTube.

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Nessa mesma época, assisti, em mp3, a algumas aulas do prof. José Monir Nasser, inclusive uma sobre a leitura de Dom Quixote, dentro do programa das Expedições pelo Mundo da Cultura. Com ele, pude entender melhor a que me ater na leitura das obras de literatura imaginativa. Através da mediação do prof. Monir, a leitura de Cervantes, de Shakespeare (nessa época li Otelo, Romeu e Julieta e Macbeth) ficaram mais prazerosas e proveitosas.

IMG_2717Pouco depois de retornar à Igreja, e como consolidação desse caminho de volta, li três livros que me ajudaram a compreender melhor que a Igreja visível é uma parte minúscula do Corpo de Cristo. Em primeiro lugar, um livro a que sempre volto porque prenhe de fantásticas intuições plenamente aplicáveis a nosso tempo: Ortodoxia, de G. K. Chesterton. Seu fino humor e sua incansável busca pela melhor abordagem de temas espinhosos me cativou profundamente. Chesterton é um homem de alma leve e dono de uma inteligência muito versátil. Os últimos parágrafos de Ortodoxia me acompanham desde então: e não é verdade que talvez as risadas dos Céus sejam muito para nosso quarto escuro?

IMG_2718A Introdução à Vida Devota, de São Francisco de Sales, que li mais ou menos nessa época, é um livro de cartas (virtuais) a uma moça que está iniciando sua vida de oração (Filoteia, que simboliza a alma do leitor). Muito embora o livro tenha sido escrito há cerca de quatrocentos anos, há nele lições e sugestões muito interessantes e muito úteis. É uma pena que tão poucos valorizem o tesouro que são os escritos dos santos! O meu exemplar o comprei em Portugal, na livraria do Santuário de Nossa Senhora de Fátima.

IMG_2719Também o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luis Maria Grignon de Monfort, deu-me excelentes sugestões para me entregar boamente nos braços de Nossa Senhora. O autor não deixa dúvidas sobre a forte conveniência de nos aproximarmos da Santa Mãe de Deus, a quem o próprio Deus recorreu com vistas na Encarnação. Quer você esteja pensando em se consagrar à Santíssima Virgem, quer não, esse livro é capaz de mudar a sua vida.

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Outros livros importantes, nessa época, por diferentes motivos, foram O Sal da Terra, diálogo entre o jornalista Peter Seewald e o então cardeal Joseph Ratzinger. Gostei particularmente das análises que ele fez da história recente da Igreja e, principalmente, das perspectivas, que ele indicou, de redução do número de fiéis e da manutenção da vida religiosa através da fidelidade de pequenos grupos. Nessa época também li a Pequena Filocalia (autores diversos) e Relatos de um Peregrino Russo (anônimo), dois textos conhecidos entre os cristãos ortodoxos.

Ainda morando em Campinas, SP, assisti às aulas do prof. Olavo de Carvalho gravadas na É Realizações, que constituem o curso História Essencial da Filosofia, em 32 volumes (DVDs, É Realizações). Na mesma época, comecei a assistir também as aulas do prof. Luiz Gonzaga de Carvalho Neto (primeiro o curso Religiões do Mundo; depois, o de Cosmologia Tradicional). Foi então que comecei a entender, realmente, o que era estudar filosofia. A linguagem dos pré-socráticos começou a ficar compreensível. Não só a linguagem, mas o projeto filosófico, inaugurado por Sócrates, passou a fazer sentido para mim. Era o caso, então, de começar a estudar filosofia como gente grande.

IMG_2720A obra que melhor me pareceu capaz de me introduzir no universo da filosofia foi a História da Filosofia Antiga, do Giovanni Reale. O primeiro volume (da edição em cinco), que vai dos pré-socráticos até os socráticos menores, é muito precioso, mas nada se compara àquele que, na edição mais recente (em oito volumes — cada um dos quatro primeiros foi dividido em dois — o quinto, se não me engano, era um índice remissivo), é o terceiro volume: Platão. A tentativa de Giovanni Reale de integrar os diálogos platônicos naquilo que ele chama de “doutrinas não-escritas” foi muito bem-sucedida — apesar de que não se trata de empreitada isenta de críticas vindas de parte dos historiadores da filosofia.

IMG_2721Um livro que me foi muito precioso, por conta de uma frase, foi Quando os Pais se Separaram, da psicanalista francesa Fraiçoise Dolto. A frase foi a seguinte: “Pour ces enfants, ce sont les repères de l’orientation qui sont clignotants. C’est comme s’il y avait “deux pôles nord”. Habituellement, chacun des parents représente un pôle différent de développement pour l´enfant, mais, là, ils penchent en quelque sorte du même côte: ils indiquent tous deux la même direction. Alors que l’enfant a besoin de s´orienter à partir de deux pôles différents“. A união dos pais representa para a criança dois referenciais diversos, que contudo caminham na mesma direção. Com o divórcio, a criança se vê entre dois pólos-norte. É uma metáfora que dá o que pensar. Na mesma ocasião, e sobre o mesmo assunto, li um post do finado blog-entre-amigos Ad Hominem, que me trouxe outra imagem rica de possibilidades, cunhada por Gustavo Corção a respeito do divórcio: “A separação dos pais, para a criança, é um absurdo. Não é um drama moral, é uma tragédia cósmica. Não é conflito de duas pessoas, é conflito dos elementos constitutivos do universo. O mundo enlouqueceu se os pais se separam. Na mente infantil, a repercussão afetiva e intelectual significa um abalo de todas as fundamentais experiências até então colhidas. É como se a água deixasse de molhar, o sol deixasse de brilhar, a pedra deixasse de ser dura”.

IMG_2722As Ideias têm Consequências, de Richard Weaver, foi um livrinho interessante por trazer uma notícia sobre o dano que a disseminação das ideias do filósofo dominicano Guilherme de Ockham acabou tendo na sociedade ao longo dos séculos (chegando-nos, deveras). Neste livro também há análises muito interessantes sobre o poder da música, o significado da propriedade privada e sua relação com a personalidade individual e o papel da imprensa na atualidade. Só houve um problema: a tradução, a digitação e a revisão desse livro, a cargo da É Realizações, estavam miseravelmente deficientes e, portanto, não estavam à altura de sua importância. Eu imagino que a 2ª Edição, publicada recentemente, buscou exatamente corrigir essas falhas.

IMG_2723Um filósofo de cuja obra me ocupei particularmente, durante um tempo (e ao qual necessariamente terei de voltar ainda outras vezes), foi Julián Marías — principalmente pelas referências que o prof. Olavo de Carvalho fez a ele no curso Introdução ao Método Filosófico. Fiquei muito impressionado depois de ouvir duas ou três palestras dele (uma delas é a chamada Hombre y mujer: igualdad y equilibrio), tanto pelo conteúdo como pela maravilhosa clareza de sua exposição. Comprei boa parte de sua obra. Simbolizo a influência que ele teve e tem sobre mim no livro Mapa do Mundo Pessoal.

Meus poetas preferidos são Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto e Adélia Prado. Estou sempre lendo e relendo esses autores. Ainda não tenho sensibilidade para ler poesia em língua estrangeira, mas estou me esforçando.

IMG_2724Recentemente, duas prosas de ficção me deixaram particularmente impressionado. A primeira foi Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa, que só vim a ler recentemente. Riobaldo Tatarana e o modo de narrar sua trágica história me deixaram atordoado. Sua linguagem me contagiou tanto que tenho a impressão de que quando ensaio escrever ficção aquilo tudo acaba vindo à tona e ressoando em mim.

IMG_2725A segunda narrativa também é de um mineiro, de Curvelo. Trata-se da Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso. Ficava absolutamente sem reação ao ler cada página dessa magnífica história. Aplaudi de pé. Que um brasileiro relativamente marginal tenha sido capaz de escrever uma obra dessas é motivo de orgulho.

Tenho lido uma média de quarenta a sessenta livros por ano. Esses aqui, no entanto, foram os que, até então, mais me impactaram. Percebam que o impacto que um livro traz sobre você não tem necessariamente relação com suas qualidades objetivas. Esta lista é a prova mais cabal dessa grande verdade. Apesar disso, ainda continua plenamente válida a lição dos sábios: a vida é muito curta para que a gastemos lendo livros ruins.

Em tempo: depois que terminei esse texto me lembrei de alguns outros livros importantes: As Confissões, de Santo Agostinho, por mostrar que a sinceridade e um intenso desejo pela verdade podem levar um homem a experimentar o amor de Deus; Os Irmãos Karamázovi, de F. Dostoiévski: Aliócha é, para mim, o exemplo maior de generosidade e de sobrevivência em meio a um mundo decadente; O Processo, de Franz Kafka, porque me mostrou como algumas pessoas podem se sentir por conta dos processos criminais que eu mesmo ajuizo contra elas — e isso me deu um senso maior de responsabilidade; Filosofia do Direito, de Miguel Reale (quando o tive nas mãos na época da Faculdade de Direito), Teoria do Injusto Penal, de Juarez Tavares, e De Anchieta a Euclides, de José Guilherme Merquior — três livros dos quais, no primeiro (e animado, embora) contato, não consegui passar da página cinco, e que portanto me deram a clara consciência de que “para ler um livro é preciso, antes, ter lido outros cem”; Filosofia do Direito, de Michel Villey, porque me mostrou que é possível estudar Filosofia do Direito hoje sem pressupor que Aristóteles e Santo Tomás de Aquino estão ultrapassados; Dom Casmurro, de Machado de Assis, o primeiro livro de cuja leitura — e o fiz há cerca de sete anos — saí com a íntima convicção de que tinha entendido exatamente por quê se escreve literatura de ficçãoÓpera dos Mortos, de Autran Dourado, porque nossas lidas com a ancestralidade — e com a vida e com a morte — estão aí contadas de um modo muito vivo e comovente; Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, um belíssimo poema que nos mostra por quê as pessoas ainda têm esperanças no meio das piores circunstâncias.

Assista ao vídeo que fiz sobre esses livros:

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Responses

  1. prezado BRUNO MAGALHÃES , sempre sonhei em ter conhecimento,estudar ,etc. Vendo seu artigo sobre os 20 livros, percebo que vc teve oportunidade logo na adolescencia e seguiu em frente… admiro seu conhecimento e sua forma de falar ,expressar… bom você é Um Procurador rs, estudado .. mas penso, eu ja com 2/3 de vida vivida ou seja,48 anos e com apenas um ensino médio e bem precario ainda, pois não aprendi quase nada com os professores que me deram aula… é só lendo esses artigos e sabendo que no meu caso nunca chegarei a esse ponto de conhecimento , é só admirar ,ler e só…. dificil mas sou mais um brasileiro que vai passar pela vida sem realmente poder degusta-la da forma que sonha ,, ja não há mais tempo para estudar e sequer chegar a metade de seus estudos e conhecimentos e porque não dizer sua profissão… é uma pena mas é minha realidade….

    1. Puxa! Me comovi com o seu comentário! Engraçados os caminhos da vida… na minha infância, minha mãe era uma evangélica fanática que proibia ter tv em casa e por isso eu me refugiava nos livros da biblioteca. Por isso cresci lendo muito e hoje vejo nesse hábito um privilégio. Mas concordo com o Bruno: leia, não é tarde!!! O gostinho da superação virá a cada vez que terminar um bom livro!