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Linguagem carregada de significado

A literatura é linguagem carregada de significado“. A frase é de Ezra Pound. Se é assim, como identificar o bom e o mau poeta? A chave está no significado das palavras eleitas pelo artista — o que exige um certo ritmo, uma boa versificação e tantas outras coisas que só um bom artesão das palavras sabe fazer (embora nem sempre saiba explicar). Se é assim, o mau poeta é aquele cara que chega em sua casa, no horário marcado para o jantar, com meio pacote de macarrão já vencido, uma sardinha destroçada e uma garrafa de vinho Canção já aberta e dormida; e meio preguiçoso e cheio de chavões que vai soltando sem muito critério prepara a comida que vocês então experimentam com um entusiasmo postiço de quem gostaria de estar gostando da experiência. Já o bom poeta chega em sua casa de surpresa (às vezes em um horário inconveniente; talvez até lhe acorde às três da manhã). Mas traz em suas sacolas tantas coisas saborosas e frescas e refinadas que você deixa o que estava fazendo para gozar de sua companhia. “Literatura é a novidade que permanece novidade” (Pound, de novo). Então vocês vão para a cozinha, abrem o vinho, preparam juntos o jantar, agradecem a Deus pelo encontro e, depois de tudo terminado, ficam conversando sobre as coisas mais interessantes. E como a poesia faz acordar os homens e adormecer as crianças — e ninguém é adulto depois de duas garrafas de vinho –, depois de um tempo de conversa um dos dois adormece e sonha com a própria vida, que aí então lhe aparece repleta de sentido e significado. A “linguagem carregada de significado” da literatura é um espelho em que você vê a própria vida. Toda vida merece ser contada, mas só um grande artista sabe como fazer. Por isso não é exagero dizer que um grande artista é um criador à imagem e semelhança de Deus, pois quando a matéria se aborrece ele transforma a malícia das coisas em uma obra de arte que se torna então um canal esplendoroso por onde nos chega a verdade, a beleza e a bondade.

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Eutidemo, de Platão (Edith Hamilton)

“Este é talvez, de todos os diálogos platônicos, o que torna a Atenas de Sócrates e de Platão aparentemente mais distante de nós. Nós somos conduzidos de volta a um tempo em que a linguagem havia começado a ter grande importância em si mesma e em que os raciocínios eram geralmente expostos oralmente. Um trocadilho ou um duplo significado podia decidir uma importante discussão. Aqui Sócrates enfrenta Eutidemo e seu irmão, ambos assim chamados erísticos, ou contendores das palavras, e na sua batalha com Sócrates, que diz ser apenas um de seus alunos, esse tipo de artifício ocorre com frequência e se torna extremamente cansativo. Por exemplo, quando Sócrates pergunta pelo sentido de uma frase usada por Dionisiodoro, em resposta ele lhe diz: ‘Há alma nas coisas que têm sentido, quando elas têm sentido? Ou há apenas o sentido das coisas desalmadas?’ Sócrates responde, ‘Apenas as coisas com alma.’…

A beleza salvará o mundo

O título do livro de Gregory Wolfe, lançado há pouco no Brasil, é uma frase de Dostoiévski: a beleza salvará o mundo. A ideia é, a princípio, um pouco estranha. Em primeiro lugar, o mundo não está aí para ser salvo. Ele tem o seu príncipe e com ele já está julgado (Jo 16:11). Em segundo, se há algo a ser salvo é a alma dos homens; e essa será salva se Deus assim quiser. Apesar de tudo isso, a frase, se bem interpretada, pode nos ensinar algo a respeito da realidade.

Sim, em algum sentido é verdade que a beleza salva o mundo – se bem que seria melhor dizer: nos salva do mundo. A beleza “salva” no exato sentido em que, assim como a verdade e a bondade, é um canal que nos mostra, através de degraus, alguns aspectos de Deus. Segundo um ensinamento que se atribui a…

Um conselho a quem queira fazer literatura de ficção no Brasil hoje (Olavo de Carvalho)

Aluno: Em nosso país, com o atual estado da linguagem, qual lhe parece o grande desafio para quem pretenda fazer literatura de ficção?

Em primeiro lugar, você terá que começar a trabalhar essa linguagem que existe. Deverá pegar esse tecido de chavões, de lugares-comuns, e trabalhar para descobrir o que está no fundo deles e como você pode transformar uma coisa na outra. Não adianta você querer chegar diretamente em uma linguagem mais elevada. Você não conseguirá. Nós sempre temos que trabalhar a língua existente. Eu tenho procurado fazer isso: pegar desde a fala mais vulgar possível e elevá-la quando possível; e, depois, voltar a essa fala vulgar e… Eu não vejo outra maneira de trabalhar isso. Afinal de contas, a não ser que os seus personagens fiquem totalmente inverossímeis, eles terão de falar mais ou menos como as pessoas [comuns] falam. Por outro lado, não há porque limitar o seu padrão de…

Há metafísica bastante em não pensar em nada (Alberto Caeiro)

V

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por…

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