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Eutidemo, de Platão (Edith Hamilton)

“Este é talvez, de todos os diálogos platônicos, o que torna a Atenas de Sócrates e de Platão aparentemente mais distante de nós. Nós somos conduzidos de volta a um tempo em que a linguagem havia começado a ter grande importância em si mesma e em que os raciocínios eram geralmente expostos oralmente. Um trocadilho ou um duplo significado podia decidir uma importante discussão. Aqui Sócrates enfrenta Eutidemo e seu irmão, ambos assim chamados erísticos, ou contendores das palavras, e na sua batalha com Sócrates, que diz ser apenas um de seus alunos, esse tipo de artifício ocorre com frequência e se torna extremamente cansativo. Por exemplo, quando Sócrates pergunta pelo sentido de uma frase usada por Dionisiodoro, em resposta ele lhe diz: ‘Há alma nas coisas que têm sentido, quando elas têm sentido? Ou há apenas o sentido das coisas desalmadas?’ Sócrates responde, ‘Apenas as coisas com alma.’ Ele é então triunfantemente refutado, ‘Então você conhece alguma frase que tenha alma?’. E à resposta de Sócrates ele replica, ‘Então por que você acaba de me perguntar que sentido minha frase tinha?’ Isso é visto pela grande audiência amontoada em torno deles como um nocaute.

Platão, claro, sustenta até o nível do ridículo todo tipo de conversa, mas ele também está preocupado em mostrar quão difícil é traduzir uma ideia em palavras. Um poeta russo com todos os dicionários modernos à sua disposição disse, ‘Um pensamento expresso em palavras é uma mentira’. Algo disso deveria estar muitas vezes na mente de Platão na medida em que ele buscava não apenas conhecer a verdade, mas encontrar um modo de expressá-la. Ele teve de inventar sua própria linguagem, a linguagem que toda a filosofia posterior utiliza, em um tempo em que começava a moda de utilizar palavras sem preocupação com o sentido. O Eutidemo mostra claramente contra o quê Platão teve de lutar.”

(Edith Hamilton, em Plato — The Collected Dialogues)

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Laques, de Platão (por Edith Hamilton)

“Quando este diálogo é conjugado com o Lisis, o método pedagógico de Sócrates fica claro. Em ambos ele discute um tema que é perfeitamente familiar a todos os presentes, com o mesmo resultado. Por fim eles entendem que embora tenham sempre dado por pressuposto o conhecimento desse tema, não eram capazes de dizer de que se tratava justamente porque efetivamente não o conheciam. No Laques essa tema é a coragem, e a conclusão é mais surpreendente porque dois dos interlocutores são renomados generais, Laques e Nícias, e porque o último relata a grande coragem que ele viu Sócrates demonstrar no campo. Todos os três são exemplos evidentes daquilo que estão discutindo, mas isso não afeta a demonstração de Sócrates de que desde nenhum deles, ele inclusive, é capaz de definir o objeto da discussão, eles não têm dele um conhecimento real. Simplesmente agir corajosamente sem conhecer o que é…

Lísis, de Platão (por Edith Hamilton)

“O interesse do diálogo Lísis não está no assunto da discussão mas na maneira em que se desenrola. Sócrates questiona dois jovens, amigos próximos, sobre o que é amizade. Eles estão certos de que sabem, mas quanto mais eles tentam explicar menos eles sente que realmente sabem. Eles percebem, com a ajuda de Sócrates, que todas as declarações que eles fazem são insatisfatórias. Mas sua meta não é de modo algum resolver-lhes as dificuldades. Ele diz que sabe tão pouco quanto eles. Quão ridículo é, ele lhes diz ao final, que todos eles, que são amigos, não saibam o que é a amizade.

Este método de ensino é a marca de Sócrates entre os grandes professores da humanidade. Todos os outros estariam preocupados em dar a Lísis e a seus amigos uma grande concepção de amizade, em direcionar-lhes a um elevado ideal, em formar em suas mentes juvenis um molde…

Linguagem carregada de significado

“A literatura é linguagem carregada de significado“. A frase é de Ezra Pound. Se é assim, como identificar o bom e o mau poeta? A chave está no significado das palavras eleitas pelo artista — o que exige um certo ritmo, uma boa versificação e tantas outras coisas que só um bom artesão das palavras sabe fazer (embora nem sempre saiba explicar). Se é assim, o mau poeta é aquele cara que chega em sua casa, no horário marcado para o jantar, com meio pacote de macarrão já vencido, uma sardinha destroçada e uma garrafa de vinho Canção já aberta e dormida; e meio preguiçoso e cheio de chavões que vai soltando sem muito critério prepara a comida que vocês então experimentam com um entusiasmo postiço de quem gostaria de estar gostando da experiência. Já o bom poeta chega em sua casa de surpresa (às vezes em um horário…

Aos iniciantes no estudo da filosofia platônica

Iniciar o estudo da Filosofia Grega é uma aventura que nos recompensa com abundantes frutos. E ninguém se lance a essa empreitada sem ter uma boa experiência literária — antes, pelo menos, de ter lido e absorvido uma centena das melhores obras da literatura imaginativa universal. A sugestão, que tenho seguido, não é minha mas do Prof. Olavo de Carvalho. Os fundamentos da necessidade de enriquecer o imaginário antes de começar a se debruçar sobre obras filosóficas você os encontra na obra do professor (principalmente nas aulas do Curso Online de Filosofia, ainda em andamento).

Superado este ponto, sigamos. Suspeito que o melhor a fazer não seja começar pelo começo. Deixemos Tales de Mileto para um momento posterior. O melhor, parece-me, é começar por Sócrates, que é considerado o ‘pai da Filosofia’ apesar de não ter deixado obra escrita. Depois de compreender relativamente bem o que é o projeto socrático,…

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