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Um conselho a quem queira fazer literatura de ficção no Brasil hoje (Olavo de Carvalho)

Aluno: Em nosso país, com o atual estado da linguagem, qual lhe parece o grande desafio para quem pretenda fazer literatura de ficção?

Em primeiro lugar, você terá que começar a trabalhar essa linguagem que existe. Deverá pegar esse tecido de chavões, de lugares-comuns, e trabalhar para descobrir o que está no fundo deles e como você pode transformar uma coisa na outra. Não adianta você querer chegar diretamente em uma linguagem mais elevada. Você não conseguirá. Nós sempre temos que trabalhar a língua existente. Eu tenho procurado fazer isso: pegar desde a fala mais vulgar possível e elevá-la quando possível; e, depois, voltar a essa fala vulgar e… Eu não vejo outra maneira de trabalhar isso. Afinal de contas, a não ser que os seus personagens fiquem totalmente inverossímeis, eles terão de falar mais ou menos como as pessoas [comuns] falam. Por outro lado, não há porque limitar o seu padrão de verosimilhança à vulgaridade do meio: você pode criar personagens que pareçam inverossímeis em certos meios, mas que porém não sejam inverossímeis em si mesmos — por exemplo, um santo, um herói, um gênio, não são verossímeis pelos padrões vulgares, mas essa inverossimilhança é apenas uma aparência perante determinado público. Você poderá trabalhar tudo isso. E a função [da literatura] é encontrar a rearticulação da linguagem por trás dessa desarticulação presente.

Em segundo lugar, [é preciso] documentar a verdade da experiência de ser brasileiro nesses últimos trinta ou quarenta anos — algo que a nossa literatura não documentou de maneira alguma. A nossa literatura parou em maio de 1968. Até hoje é só choradeira de comunista que foi perseguido — coitadinho! — pela ditadura militar. É só nisso que se pensa! Parece que essa foi a última experiência brasileira!

Então, nós temos que dar voz a toda essa população brasileira que tem vivido, que tem sofrido e que não está entendendo nada do que acontece, mas que, porém, são pessoas que existem e que, como tal, podem a qualquer momento ser personagens de ficção.

Para isso é essencial ler a literatura brasileira escrita até os anos 60, porque ela trilhava um caminho muito bom. Eu acredito que o próprio Marques Rebelo, aqui mencionado, seja uma leitura indispensável nesse sentido (o modo como ele pegou aquele linguajar carioca e trabalhou aquilo é uma coisa maravilhosa!).

(Transcrição dos últimos três minutos da última aula do curso “Como se tornar um leitor inteligente”, ministrado pelo prof. Olavo de Carvalho — à venda no Seminário de Filosofia: www.seminariodefilosofia.org)

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