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Humildade (Cora Coralina)

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Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura,
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.

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Estamos indo sempre para casa (Raduan Nassar)

“Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse ‘para onde estamos indo?’ — não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: ‘estamos indo sempre para casa’.”

(Raduan Nassar, em Lavoura Arcaica)

O anelo de ver desvanecida a treva espessa…

O que procuraste em ti ou fora de teu ser restrito e
nunca se mostrou, mesmo afetando dar-se ou
se rendendo, e a cada instante mais se retraindo, (…)
vê, contempla, abre teu peito para agasalhá-lo.
(‘A máquina do mundo’, Carlos Drummond de Andrade)
Como em turvas águas de enchente, eu vivi até o final da minha adolescência tardia na selva tenebrosa das pedagogias falidas, conduzidas por cegos e ‘animada’, por assim dizer, por uma plêiade de ideias feitas de palha e de homens sem fibra. O Sol e a Lua da minha segunda infância, entre eclipses e estranhos desalinhamentos, já não ofereciam orientação suficiente: muito cedo os vi apontando para dois pólos-norte. Mas a privação de alimento não afugentou a fome de sentido e significado, antes a aumentou. Submergido entre destroços do presente, porém movido por uma curiosidade intelectual insaciável, passei alguns dos mais preciosos anos da minha vida tropeçando em livros de quarta ou quinta categoria.…

Soneto Melancólico (Abgar Renault)

Quando o teu sol de luar de ti se esquece,
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e o teu rumor lava o meu mundo pobre,
com arco-íris, ovelhas e cantigas;

ou, no ar, a tua forma transeunte
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não sei o que suplique, nem pergunte,

e bebo o escuro do silêncio aberto,
por temer, ó manhã, que me respondas
tua escada de fogo e o meu deserto.

Meditações peripatéticas

Como em turvas águas de enchente, eu vivi até o final da minha adolescência tardia na selva tenebrosa das pedagogias falidas, conduzidas por cegos e ‘animadas’ por uma plêiade de ideias feitas de palha. O Sol e a Lua da minha segunda infância, entre eclipses e estranhos desalinhamentos, já não ofereciam orientação suficiente: muito cedo os vi apontando para dois polos-norte. Mas a privação de alimento só fez aumentar a fome de sentido. Submergido entre destroços do presente, porém movido por uma curiosidade insaciável, passei alguns dos mais preciosos anos da minha vida tropeçando em livros de quarta categoria. Os companheiros de naufrágio — poucos, muito poucos — buscavam salvação em outras tábuas no vasto mar das perspectivas sem futuro. Só Deus sabe como me preservei; e como, depois de apanhar um pouco, fui tomando coragem para reconhecer, mea culpa, que as relações que eu mantinha comigo mesmo, com as…

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