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Estamos indo sempre para casa (Raduan Nassar)

“Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse ‘para onde estamos indo?’ — não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: ‘estamos indo sempre para casa’.”

(Raduan Nassar, em Lavoura Arcaica)

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Humildade (Cora Coralina)

Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura,
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.

Aqueles pedaços de pano pendurados…

Numa certa época, eu evitava comprar em lojas especializadas em ternos para gente que vai na formatura de parente. Não me caíam bem. Por outro lado, não tinha dinheiro suficiente para entrar em lojas de grife. Por isso dei graças a Deus quando conheci um alfaiate em Belo Horizonte, um senhor experiente e muito caprichoso, que fez praticamente todos os ternos que usei nos primeiros anos da Promotoria de Justiça.

Esse alfaiate só tinha um defeito (grave defeito): ele nunca cumpria prazos. O pobre coitado tinha problema com alcoolismo. Isso imprimia no seu trabalho um ritmo muito próprio — não porque fosse preguiçoso, mas porque, profundo conhecedor de sua própria alma, sabia que não podia ter muito dinheiro no bolso (no caminho da oficina há um bar em cada esquina). Assim, as paredes de sua salinha de trabalho eram compostas pelas encomendas que ele ia estrategicamente acumulando como quem empenha…

O eu e a circunstância

Nas Meditaciones del Quixote (1914), José Ortega y Gasset desenvolve as sementes de sua metafísica segundo a razão vital, iniciada em Adán en el paraíso (1910). “Eu sou eu e minha circunstância” é sua famosa concepção da realidade radical, fruto da crítica ao idealismo com que começou sua filosofia sem contudo refugiar-se no realismo gnosiológico. A realidade circundante “forma a outra metade da minha pessoa”.

Não só por isso, mas também por isso, eu concluo que a revolta contra a realidade, contra as circunstâncias de sua vida, é uma revolta contra si mesmo.
Meditar sobre as circunstâncias e trabalhar para modificá-las é um modo muito interessante de criar-se a si mesmo a cada momento. Revoltar-se contra elas é algo bem diferente; é enlouquecer-se, é alienar-se, é renunciar a ser o co-criador da sua biografia.

Quem quer mudar o mundo?

Em um dos meus últimos artigos (“Direita e esquerda”), pretendendo indicar que a complexidade da vida não comportava uma posição unívoca em relação à modalidade de participação do Estado na vida social, acabei dizendo que eu era ao mesmo tempo conservador e progressista. Com isso corri o risco de ter dito muito sem, na realidade, dizer nada. Vejo, então, que preciso me explicar.

A conservação e a renovação da vida (e, portanto, das ideias e dos costumes) são duas realidades das quais não podemos escapar. A saúde de uma nação depende do equilíbrio entre essas duas funções. Por circunstâncias diversas, ocorre que em determinadas épocas a visão conservadora ou a progressista toma conta do imaginário social e passa a dominar os discursos. Com o tempo, a hegemonia de uma visão a torna onipresente. Se não há dinamismo suficiente para que ela seja renovada à luz das circunstâncias novas de cada dia, ela…

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