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Soneto Melancólico (Abgar Renault)

Quando o teu sol de luar de ti se esquece,
e seus raios, ausentes, se consomem
sobre o pesar, a nódoa, o abismo e a prece
da minha obscura circunstância de homem;

ou quando a sombra do teu dedo cobre
a minha estrada e a minha sede antigas,
e o teu rumor lava o meu mundo pobre,
com arco-íris, ovelhas e cantigas;

ou, no ar, a tua forma transeunte
relâmpagos escreve, e frutos, e ondas,
não sei o que suplique, nem pergunte,

e bebo o escuro do silêncio aberto,
por temer, ó manhã, que me respondas
tua escada de fogo e o meu deserto.

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Soneto em Forma de Oração

Ser ou não ser: eis a questão que a vida
A ti apresentou ainda menina
Teu sim a Deus selou a minha sina
Nasci, teu filho; e tu, minha mãe querida
Também nasceste: a ti foi concedida
A graça, entre as maiores, feminina
De ser mãe – ventre santo de onde mina
Um amor que ama sem qualquer medida.
Tal é teu desmedido coração
Que com paixão marcaste meu destino:
Amar porque me amaste por primeiro
É justo que eu suplique em oração
A Deus que, em vez de prêmio pequenino,
O Céu a ti entregue por inteiro

Sonetos Gêmeos (Augusto Meyer)

I

Gota de luz no cálice de agosto,
Sabe a lúcida calma o desengano.
Em vão devora o tempo o mês e ao ano:
Vindima é a vida, vinho me é o sol-posto.

Cobre-se o vale de um rubor humano.
Um beijo solto voa no ar, um gosto
De uva madura, um aroma de mosto
Desce da rubra luz do céu serrano.

Vem, noite grave. E assim chegasse o outono
Meu, tão sutil e manso como agora
Mesmo subiu a sombra serra acima…

Tudo se apague e a hora esqueça a hora,
Que só do sonho eu vivo, e grato é o sono
A quem provou seu dia de vindima.

II

A quem provou seu dia de vindima
Votado ao outro lado, ao eco, ao nada,
Grata é a sombra mais longa e o fim da estrada
Começo de um descer, que é mais acima.

Grave, de uma tristeza inconsolada
Mas fiel, a minha sombra é a minha rima.
Princípio de um além que se aproxima
É o fim, talvez limiar de…

Prazer e pesar (Gregório de Matos)

Um prazer, e um pesar quase irmanados,
Um pesar, e um prazer, mas divididos
Entraram nesse peito tão unidos,
Que Amor os acredita vinculados.

No prazer acha Amor os esperados
Frutos de seus extremos conseguidos,
No pesar acha a dor amortecidos
Os vínculos do sangue separados.

Mas ai fado cruel! que são azares
Toda a sorte, que dás dos teus haveres,
Pois val o mesmo dares, que não dares.

Emenda-te, fortuna, e quando deres,
Não seja esse prazer em dois pesares,
Nem prazer enterrado nos Prazeres.

Humildade (Cora Coralina)

Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura,
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.

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