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Fotógrafo de si mesmo

Um adolescente estava fumando um cigarro de maconha com seu amigo, próximo da linha férrea da Vale, que passa pela região central de Governador Valadares, MG. Lá pelas tantas, decidiu sentar sobre os trilhos para tirar uns ‘selfies’. Colocou nos ouvidos os fones do celular (provavelmente para ter uma sensação mais intensa) e ficou ali, ouvindo música alta e tirando ‘selfies’. O amigo, que não estava com fones no ouvido, ouviu a óbvia locomotiva se aproximando (tão simples, tão certa). Mas não conseguiu estabelecer um contato eficaz com o amigo, fotógrafo de si mesmo. Para o jovem, foi o fim do caminho. Se o dia dele foi bom, eu não sei. Mas ali, no espaço interditado, a noite desceu sobre seu corpo (a noite com seus sortilégios).

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Tema e voltas (Manuel Bandeira)

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se nos céus há o lento
Deslizar da noite?

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se lá fora o vento
É um canto na noite?

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se agora, ao relento,
Cheira a flor da noite?

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se o meu pensamento
É livre na noite?

As duas pontas da vida

Quem lê o romance mais consagrado de Machado de Assis conhece em estado puro o maior enigma da literatura brasileira: será que Capitu teve um caso com Escobar? Provavelmente nem mesmo o escritor sabia ao certo. Traiu ou não traiu? O caso é que esse drama conjugal nunca me interessou muito. Imagino que Dom Casmurro também tinha coisa mais importante com que se preocupar: a eventual infidelidade de Capitu era apenas um pequeno detalhe no panorama maior do convívio com essa personalidade tão ambígua e tão dominadora.

O encontro de um pré-adolescente mimado com essa personalidade forte o atordoou muito — a ponto de lhe tirar o chão. Por isso, vejam, Dom Casmurro traiu-se a si próprio. Eis aí a questão central — e a razão pela qual o protagonista escreveu suas memórias. Esse, sim, é o aspecto do livro de Machado de Assis que mais me intriga: logo no segundo capítulo, ao justificar a…

Via-láctea – Soneto XIII (Olavo Bilac)

”Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

Cartas a um jovem poeta (Rainer Maria Rilke)

”(…) inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem — usando da licença que me deu de aconselhá-lo — peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: ‘Sou mesmo forçado a escrever?’ Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples ‘sou’, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua…

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