fbpx

Do Amor (Adélia Prado)

Assim que se é posto à prova,
na cinza do óbvio, quando
atrás de um caminhão vazando
o homem que pediu sua mão
informa:
‘está transportando líquido’.
Podes virar santa se, em silêncio,
pões de modo gentil a mão no joelho dele
ou a rainha do inferno se invectivas:
claro, se está pingando,
querias que transportasse o quê?
Amar é sofrimento de decantação,
produz ouro em pepitas,
elixires de longa vida,
nasce de seu acre
a árvore da juventude perpétua.
É como cuidar de um jardim,
quase imoral deleitar-se
com o cheiro forte do esterco,
um cheiro ruim meio bom,
como disse o menino
quanto a porquinhos no chiqueiro.
É mais que violento o amor.

Declamação:

Related Articles

Sob a Luz Feroz do Teu Rosto (Eucanaã Ferraz)

Amar um leão usa-se pouco,
porque não pode afagá-lo
o nosso desejo de afagá-lo,

como tantas vezes cão ou gato
aceitam-nos a mão a deslizar
sobre seu pelo;

amar um leão não se devia,
agora que já não somos divinos,
quando a flauta que tudo

encantaria, gentes animais
pedras, nós a quebramos contra
a ventania; amar

um leão é só distância: tê-lo ao lado,
não poder beijá-lo, o deserto
que habita em torno dele;

era mais certo amar um barco,
era mais fácil amar um cavalo;
amar um leão é não poder amá-lo;

e nada que façamos adoça
o que nele nos ameaça se
amar um leão nos acontece:

à visão de nosso coração
ofertado, tudo nele se eriça,
seu desprezo cresce;

amar um leão, se nos matasse;
se nos matasse o leão que amamos
seria a dor maior, mais que esperada:

presas patas fúria cravadas em nossa carne;
mas o leão, que amamos,
não nos mata.

Minha declamação:

https://youtu.be/PTNCNCtGglg

O amor bate na aorta (Carlos Drummond de Andrade)

Cantiga do amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se…

O amor tem vozes misteriosas… (Alphonsus de Guimaraens)

– O amor tem vozes misteriosas
No coração implume…
– Como são cheirosas as primeiras rosas,
E os primeiros beijos como têm perfume!

– O amor tem prantos de abandono
No coração que morre…
– As folhas tombam quando vem o outono,
E ninguém as socorre!

– O amor tem noites, noites inteiras,
De agonias e de letargos…
– Que tristeza têm as rosas derradeiras,
E os últimos beijos como são amargos!

Poema enjoadinho (Vinícius de Moraes)

Filhos… Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete…
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos…
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo!
Melhor não tê-los…
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!

Responses