fbpx

Sob a Luz Feroz do Teu Rosto (Eucanaã Ferraz)

Amar um leão usa-se pouco,
porque não pode afagá-lo
o nosso desejo de afagá-lo,

como tantas vezes cão ou gato
aceitam-nos a mão a deslizar
sobre seu pelo;

amar um leão não se devia,
agora que já não somos divinos,
quando a flauta que tudo

encantaria, gentes animais
pedras, nós a quebramos contra
a ventania; amar

um leão é só distância: tê-lo ao lado,
não poder beijá-lo, o deserto
que habita em torno dele;

era mais certo amar um barco,
era mais fácil amar um cavalo;
amar um leão é não poder amá-lo;

e nada que façamos adoça
o que nele nos ameaça se
amar um leão nos acontece:

à visão de nosso coração
ofertado, tudo nele se eriça,
seu desprezo cresce;

amar um leão, se nos matasse;
se nos matasse o leão que amamos
seria a dor maior, mais que esperada:

presas patas fúria cravadas em nossa carne;
mas o leão, que amamos,
não nos mata.

Minha declamação:

Related Articles

Do Amor (Adélia Prado)

Assim que se é posto à prova, na cinza do óbvio, quando atrás de um caminhão vazando o homem que pediu sua mão informa: ‘está transportando líquido’. Podes virar santa se, em silêncio, pões de modo gentil a mão no joelho dele ou a rainha do inferno se invectivas: claro, se está pingando, querias que transportasse o quê? Amar é sofrimento de decantação, produz ouro em pepitas, elixires de longa vida, nasce de seu acre a árvore da juventude perpétua. É como cuidar de um jardim, quase imoral deleitar-se com o cheiro forte do esterco, um cheiro ruim meio bom, como disse o menino quanto a porquinhos no chiqueiro. É mais que violento o amor. Declamação:

Soneto em Forma de Oração

Ser ou não ser: eis a questão que a vida
A ti apresentou ainda menina
Teu sim a Deus selou a minha sina
Nasci, teu filho; e tu, minha mãe querida
Também nasceste: a ti foi concedida
A graça, entre as maiores, feminina
De ser mãe – ventre santo de onde mina
Um amor que ama sem qualquer medida.
Tal é teu desmedido coração
Que com paixão marcaste meu destino:
Amar porque me amaste por primeiro
É justo que eu suplique em oração
A Deus que, em vez de prêmio pequenino,
O Céu a ti entregue por inteiro

Um pouco de filosofia política

Em uma aula de Filosofia Política, o prof. Olavo de Carvalho trabalhou a tese de que o fundamento de nossa obediência à autoridade estatal é o fascínio que tivemos na infância pelo rosto de nossa mãe-protetora. Isso faz algum sentido. Então, se é assim, como estamos lidando com essa questão atualmente? Vocês se lembram de que em junho de 2013 boa parte dos brasileiros foi às ruas protestar por um país melhor. Como as passeatas se espalharam pelos quatro cantos, ficou em nós a sensação de que, finalmente, o “gigante acordou”. Ora, isso quer dizer que até então dormia em berço esplêndido. Pode ser que sim. Mas o gigante até então adormecido não é só o povo, porque um país também se faz de governantes – uma classe de políticos que nasceu e foi educada no seio da população. Eles não são ETs e nem foram nomeados pela metrópole. É…

Cármides, de Platão (três observações)

No diálogo Cármides, Sócrates, recém-chegado de uma batalha, conversa com Crítias e o sobrinho deste, o belo Cármides, a respeito do que seja temperança. Embora este não seja um dos mais importantes dos diálogos de Platão, há nele pelo menos três circunstâncias dignas de nota:

i) Sócrates faz inusitadas, se bem que breves, análises psicológicas. O texto é um relato feito por Sócrates da curta conversa que teve com Crítias e Cármides. A diferença, aqui, em relação aos demais diálogos platônicos em que certa discussão é relatada por um terceiro é que se trata do próprio Sócrates a narrá-la. Porém, muito além de meramente relatar o diálogo colocando-se, como narrador, em posição de certa invisibilidade (como ocorre em outros diálogos platônicos em que verdadeiramente ‘esquecemos’ do narrador e acompanhamos atentos ao desenrolar da discussão), ocorre aqui algo com que o leitor frequente de Platão não está acostumado: em pelo menos…

Responses