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A instabilidade das coisas do mundo (Gregório de Matos)

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da luz, se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na luz, falta a firmeza,
Na formosura, não se dê constância,
E na alegria, sinta-se tristeza.

Começa o mundo, enfim, pela ignorância,
E tem qualquer dos bens, por natureza:
A firmeza, somente na inconstância.

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A beleza salvará o mundo

O título do livro de Gregory Wolfe, lançado há pouco no Brasil, é uma frase de Dostoiévski: a beleza salvará o mundo. A ideia é, a princípio, um pouco estranha. Em primeiro lugar, o mundo não está aí para ser salvo. Ele tem o seu príncipe e com ele já está julgado (Jo 16:11). Em segundo, se há algo a ser salvo é a alma dos homens; e essa será salva se Deus assim quiser. Apesar de tudo isso, a frase, se bem interpretada, pode nos ensinar algo a respeito da realidade.

Sim, em algum sentido é verdade que a beleza salva o mundo – se bem que seria melhor dizer: nos salva do mundo. A beleza “salva” no exato sentido em que, assim como a verdade e a bondade, é um canal que nos mostra, através de degraus, alguns aspectos de Deus. Segundo um ensinamento que se atribui a…

Soneto de quarta-feira de cinzas (Vinícius de Moraes)

Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada
Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada

Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura

Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.

Schopenhauer (Alberto da Cunha Melo)

Para cada sonho uma lápide
sóbria como o próprio cortejo,
depois disso, treinar seu cão
para morder qualquer desejo;

rasgada a farda da alegria
que, na batalha, o distraía,

agora a dor, em tempo célere,
pode estender, com dignidade,
sua cólera à flor da pele,

para sarjar com sua lança
tantos tumores da esperança.

Humildade (Cora Coralina)

Senhor, fazei com que eu aceite
minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.
Não lamente o que podia ter
e se perdeu por caminhos errados
e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade
seja como a chuva desejada
caindo mansa,
longa noite escura,
numa terra sedenta
e num telhado velho.

Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa.

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