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Uma Nova História da Música (Carpeaux): A Contra-Reforma: Palestrina; O Maneirismo

Esta postagem traz parte da seleção de obras musicais incluídas por Otto Maria Carpeaux no Apêndice B de seu livro Uma Nova História da Música (2ª Edição, revista e aumentada, Livraria José Olympio Editora). Acesse o arquivo inaugural aqui.

A CONTRA-REFORMA: PALESTRINA

Cristóban Morales (1512-1553)

Primeiro mestre do estilo da “Contrarreforma”, em que a música é rigorosamente desacompanhada, a capela. Só a voz da criatura humana é digna de louvar o Criador.
Precursor de Palestrina.

Lamentabatur Jacob (moteto)

Emendemns in Melins (moteto)

Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594)

É o mais “clássico” dos compositores; naturalmente não no sentido da música clássica vienense de Haydn, Mozart e Beethoven, mas no sentido de equilíbrio perfeito, latino. É “clássico” dentro de um estilo há séculos extinto e já por ninguém cultivado.

Palestrina não é um grande compositor que escreve música sacra; é um liturgista que sabe fazer grande música.

Seu objetivo foi tornar o texto sacro, na boca dos cantores, compreensível, sem renunciar à polifonia.

No recinto profano, algumas músicas de Palestrina (Missa Papae Marcelli e Stabat Mater, por exemplo) estão tão deslocadas como os quadros de altar da Renascença nos grandes museus; cansam, em vez de edificar. O lugar das obras de Palestrina é na igreja.

Palestrina já não pertence à Renascença. Mas também não é possível defini-lo — como já se fez — como músico barroco; para tanto, não é bastante místico nem exaltado nem realista nem pomposo. A correspondência perfeita do seu estilo com a nova basílica de San Pietro in Vaticano antes faz pensar no maior arquiteto dela, em Miguel Ângelo, dos últimos anos da sua vida. De Palestrina a Miguel Ângelo chega-se, na música e nas artes plástica, ao maneirismo.

* Missa Papae Marcelli (1567). Não é a maior obra de Palestrina, mas é a mais famosa, de puríssima eufonia e de solenidade sóbria; o texto litúrgico é declamado, de propósito, com grande simplicidade, como para sallientar a ortodoxia impecável da interpretação do texto.

* Missa Assumpta est (1583). Talvez seja sua obra-prima, majestosa e no entando profundamente sentida; menos jubilosa do que se poderia pensar, antes inspirada pela tristeza dos que, tendo assistido à Assunção, continuam, filhos de Eva, neste vale de lágrimas.

* Lamentationes (1588)

* Missa Ecce Johannes (1590)

* Stabat Mater (1591). Nenhuma obra sua conquistou fama tão universal como essa pequena, que, já no século XVIII, o musicólogo inglês Burney popularizou: pois é a obra menos típica e mais “moderna” do mestre. Nela, as vozes já não têm independência melódica; a composição é uma sucessão de admiráveis acordes vocais de sabor místico, de “colunas” sonoras. É a transição: da música polifônica, horizontal, para a música vertical, harmônica.

Cântico dos Cânticos (1584). Madrigais não escritos diretamente para uso litúrgico. Neles o compositor não evitou a dissonância.

Missas Alma Redemptoris, Beatus Laurentius, Ecce Johannes, Super Voces, O admirabile commercium, O Magnun mysterium, Quem dicunt homines, Tu es pastor, Tu es Petrus, Viri Galilaei, Hodie Christus natus est (para a noite de Natal) e a calma Missa pro defunctis.

Pueri Hebraeorum e Fratres ego enim. Motetos cantados na Capela Sistina durante a Semana Santa.

Missa L ‘Homme armé (1570). Nessa Missa Palestrina dá brilhante mostra de suas artes contrapontísticas; a última que foi escrita à maneira dos mestres “flamengos”.

Ao leigo que pretende iniciar-se na música palestriniana, serão mais acessíveis as obras curtas, os motetes. São muitos; e alguns continuam sendo cantados não só em Roma, mas em todas as maiores igrejas do mundo católico: Surge illuminare e O magnum mysterium; os Magnificats (sobretudo o no 4o tono); o Salve Regina (4 vozes); o jubiloso e extático Dum complerentur (para o Domingo de Pentecostes); Tribularer si nescires; o melancólico Paucitas dierum, dizendo das atribulações de Jó; o Pangue lingua; Peccavimus; Viri Galilaei; Accepit Jesus calicem; e os salmos Super flumina e Sicut cervus.

Tomás Luis de Victoria (1540-1611)

Sacerdote, nunca escreveu uma linha de música profana. Mas sua música sacra é tanto mais expressiva; é altamente dramática, embora sem atravessar, jamais, os limites traçados pelas exigências litúrgicas.

Se a música de Palestrina lembra a luminosidade do ar em basílicas como Santa Maria Maggiore e San Pietro in Vaticano, a de Victoria faz pensar na escuridão mística das catedrais de Burgos e Toledo.

A preferência pelo tom menor parece corresponder à mística espanhola; nesse sentido, pode-se aceitar a comparação com Santa Teresa, que foi sua conterrânea, de Ávila, enquanto as comparações da música de Victoria com a pintura mística do Greco parecem exageradas.

Officium Hebdomadae Sanctae (1585). Música litúrgica completa para a Semana Santa.

* Missa Vidi speciosam (1592). Está em primeiro lugar das obras de maior vulto do compositor.

* Officium Defunctorum (1605). Missa de réquiem.

Tenebrae factae sunt (do Ofício para a Semana Santa). Obra sombria e trágica.

Gaudent in coelis. Moteto jubiloso, em que é evidente a presença de ritmos tipicamente espanhóis.

Nas igrejas católicas do mundo inteiro cantam-se, até hoje, alguns motetes de Victoria: O quam gloriosum, Jesus dulcis memória, Vere languore, O vos omnes, O sacrum convivium.

Missas O quam gloriosum, Ave maris stella, De Batalle, Simile est regnum e Pro Victoria (1600).

Orações de tumba (6 vozes). Escrita para a morte da Imperatriz Maria, obra de solenidade sombria, e em certos momentos, de exaltação mística; é essa que já fez pensar no Entierro del conde Orgaz, de Domenico Theotocopuli el Greco.

Gregorio Allegri (1584-1652)

Salvatorem expectamus. Motete que a Capela Sistina canta, no primeiro Domingo do Advento.

Miserere (1638). A Capela Sistina o canta na quarta-feira da Semana Santa; famosíssimo, foi durante dois séculos uma das principais atrações turísticas de Roma. Durante séculos foi proibido copiar os originais dessa obra nunca impressa; o jovem Mozart, quando em Roma, em 1770, com 14 anos de idade, depois de ter ouvido uma só vez essa obra polifônica, notou-a, toda, de memória. O Miserere de Allegri é, aliás, menos complicado do que se diz; não é para 9 vozes, mas para dois coros, de 4 e 5 vozes respectivamente, que alternam. O compositor já está sob a influência da música policoral dos venezianos.

Miserere (1638) (outra versão)

O MANEIRISMO

Giovanni Gabrieli (1557-1612)

Só pela leitura, pelo estudo atento, revelam-se as suas grandes artes polifônicas, já muito diferentes do estilo palestriniano, pela distribuição sábia das vozes empregadas assim como um sinfonista moderno distribui os instrumentos da orquestra. Tudo isso serve a um fim que não tivera para Palestrina a mesma importância: serve à arte da interpretação expressiva e até dramática dos textos sacros. Giovanni Gabrieli já é um mestre pré-barroco. Antecipa fases muito posteriores da evolução da música.

 No seu tempo, foi certamente um inovador revolucionário.
* Sacrae Symphoniae (1597). Nela há obras primas em que a alternância e reunião dos coros produz efeitos sonoros verdadeiramente assombrosos: assim o Miserere (6 vozes), Jubilate Deo (8 vozes), Domine, exaudi orationem meam (10 vozes), Ascendit Deus in jubilo (16 vozes) e o famoso Benedictus (para 3 coros).

Orazio Benevoli (1602-72)

Missa Solemnis para a Catedral de Salzburgo (1629). (Trechos: Agnus Dei) É a mais impressionante das obras da música policoral, ainda pertencente à Contra-Reforma, que tinha lugar nas igrejas vastas do estilo jesuítico, em que a liturgia, ajudada por todas as outras artes, pretende impressionar os fiéis. Obra feita para a inauguração do novo domo de Salzburgo. Essa obra estava, como tantas outras da época, destinada para ser executada só uma vez, em determinada ocasião; dormiu, depois, durante quase três séculos, esquecida nos arquivos da Cúria Metropolitana de Salzburgo; quando o grande musicólogo vienense Guido Adler a redescobriu e editou em 1903, nada foi mais natural do que pensar nas missas sinfônicas de Bruckner e nas colossais sinfonias corais de Mahler. As opiniões sobre o valor musical dessa obra são divididas: alguns censuram a extrema simplicidade dos temas; outros admiram a força impressionante de trechos como Unam Sanctam.

Carlo Gesualdo (1560-1614)

Foi ‘um embriagado de sons novos’ como Debussy. Sua modernidade parece inesgotável.

Um caso extremo, comparável à ‘policoralidade’ extrema de Benevoli.

Príncipe de Venosa. Há dois séculos esse nobre diletante é um autor preferido dos que procuram na história ‘histórias interessantes’. Pois teve uma vida romântica; assassinou sua esposa infiel Maria d´Avalos e o amante dela; e só depois de longos anos de penitência, a angústia íntima levou-o a dedicar-se à arte.

Moro lasso e Resta di darmi noia: dois de seus madrigais, com sabor romântico.

Ascingate Ibegli occhi; Ma tu, cagion di quella; e Beltà por che t´assenti. Três madrigais transcritos por Stravinsky para pequena orquestra de câmara, como Monumentum pro Gesualdo di Venose (1960).

Foi o São João Batista de um maior: Monteverdi.

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Pretendo adicionar, com o tempo, os comentários que o próprio autor dedicou a cada uma das obras e, sempre que possível, links para vídeos que contenham boas execuções.

Segundo Carpeaux, nessa lista “só foi incluída uma seleção das grandes obras permanentes, além de um reduzido número de outras obras, de grande importância histórica. Mas infelizmente, só pouquíssimas obras dos primeiros séculos foi possível incluir, porque não são verificáveis todas as datas do século XVI e muito menos as dos séculos XIV e XV”.

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O OUTONO DA IDADE MÉDIA

John Dunstable (1370-1453)

Atribui-se a ele maior liberdade de invenção melódica que aos mestres da Ars Nova.
Em seu tempo passava por compositor de grande categoria e mestre dos mestres ‘flamengos’.

Quam pulchra es

Guillaume Dufay (1400-1474)

Sua música é ‘mais rica’ só em comparação com seus predecessores; mas dá impressão de estranho, às vezes de bizarro. O mestre já domina as regras todas; ainda não sabe aproveitá-las para comunicar-nos sua emoção religiosa; ou então, nós outros já não sabemos apreciar-lhe os modos de expressão.

Missa Se la face. Pode-se imaginar ser a música que os anjos cantam na parte superior do altar dos Van Eyck, na Catedral de St. Bavo em Gent.

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Missa Inclina cor meum

Orlandus Lassus (1530-1594)

Seu universalismo lembra os grandes gênios da Renascença.

Sabe dirigir as massas sonoras como se fosse um Handel da época do canto a capela.

O espírito e a técnica da música contrapontística flamenga são inconfundíveis em grande parte dos seus inúmeros motetes.

Pela intensidade do seu sentimento profano e pela angústia religiosa, é o mais “moderno” entre os mestres “antigos”. Sua síntese de construção rigorosamente arquitetônica e de abundante lirismo já fez pensar na síntese de elementos equivalentes em Brahms. Mas (…) a arquitetura polifônica…

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