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Taberna Minhota, secretarias de estado e mais além…

“Jesus continuou: — Simão, Simão, escute bem! Satanás já conseguiu licença para pôr vocês à prova. Ele vai peneirar vocês como o lavrador peneira o trigo a fim de separá-lo da palha. (Evangelho Segundo São Lucas 22:31)

No conto “O ex-mágico da Taberna Minhota”, de Murilo Rubião, um senhor “sem pais, infância ou juventude” descobre, lá pelas tantas, seus cabelos ligeiramente grisalhos através do espelho do restaurante onde trabalhava. Ocorre aí um simulacro de metanóia que ele não é capaz de administrar. A partir disso, ele descobre em si a capacidade de operar modificações no seu pequeno mundo: é um mágico. Mas é um mágico diferente. As operações mágicas fogem do seu controle. Objetos estranhos saem de suas mãos, cobras deslizam de suas calças. Mal-aceito e pouco adaptado, opta pelo suicídio. Não consegue. Na última tentativa, um revólver se transforma em lápis — ou terá sido sua consciência a atualizar-se após um surto?

Reflete:

“Uma frase que escutara por acaso, na rua, trouxe-me nova esperança de romper em definitivo com a vida. Ouvira de um homem triste que ser funcionário público era suicidar-se aos poucos.

Não me encontrava em condições de determinar qual a forma de suicídio que me convinha: se lenta ou rápida. Por isso empreguei-me numa Secretaria de Estado. “

O ex-mágico sonhava com um mundo onde o arco-íris, saído de seus lábios, cobrisse a Terra de um extremo ao outro; e que por façanhas tais recebesse “os aplausos dos homens de cabelos brancos, das meigas criancinhas”.

Contrastando com sua fantasia, a realidade, a dura realidade, o venceu. Dele não saía nenhum arco-íris, mas cobras, urubus e objetos repugnantes. Repugnantes e involuntários — e portanto inconvenientes.

“Inclina, Senhor, o teu ouvido, e ouve-me; porque sou desvalido e pobre” (Salmo 85,1) — é a petição que abre o conto. “Sem pais, infância ou juventude”, o ex-mágico não é capaz de trabalhar sobre a intuição que lhe ocorrera no espelho da Taberna Minhota; não tem as categorias adequadas, não tem referências. Sua consciência sofre à sombra de fantasmas. Forças cegas atormentam-lhe a alma: cobras, urubus, objetos repugnantes. Não assusta que tenha optado pelo serviço público, onde há tanta perdição porque necessariamente há muita oportunidade de salvação: aí onde Céu e Terra se relacionam de um modo muito singular. Nos cartórios, nas secretarias, nos gabinetes, a messe é grande e os trabalhadores são poucos.

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não sei o que suplique, nem pergunte,

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