fbpx

O Rio (Manuel Bandeira)

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.

Related Articles

Tema e voltas (Manuel Bandeira)

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se nos céus há o lento
Deslizar da noite?

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se lá fora o vento
É um canto na noite?

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se agora, ao relento,
Cheira a flor da noite?

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se o meu pensamento
É livre na noite?

Noite morta (Manuel Bandeira)

Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos.

Ninguém passa na estrada.
Nem um bêbado.

No entanto há seguramente por ela uma
procissão de sombras.
Sombras de todos os que passaram.
Os que ainda vivem e os que já morreram.

O córrego chora.
A voz da noite…

(Não desta noite, mas de outra maior.)

Via-láctea – Soneto XIII (Olavo Bilac)

”Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

Amorosidade (Bispo Filho)

Navego barcaças de papel em canais de esgoto
seqüestrando damascos vermelhos e damas
para uma casa arranjada em delicadezas e luxo.
E vai o esgoto prodigalizado escorrendo na quietação
da vila com minhas luminárias apagadas.

Meu couraçado holandês é amigo de um moinho
onde outrora brincavam meninos e passarinhos disputando milhos.
Vai navegando junto com o cheiro de bofe cozido no feijão ao tijolo
porque hoje, as portas envidraçadas das estrelas estão abertas
e a minha boca está aberta como tenda árabe,
como foguete de lágrimas,
feito varal colorido de roupas e nuvens.

Meu barco é feito de um papel onde há contas matemáticas
e heresias de geografia; onde há espaços carismáticos
habitados por um céu de auroras e fome verminal.
Vai sorumbático singrando as castas de água
que se adensam no fundo.
A tinta do canal fusco no bairro
vai batendo-se ao sol, recitando declinações latinas
do Velho Mundo, dizendo adeus aos canos de PVC
de onde escorre uma estreita tira de água com arroz
e dejetos entornando vultos.

Hoje resolvi…

Responses