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Soneto em Forma de Oração

Ser ou não ser: eis a questão que a vida
A ti apresentou ainda menina
Teu sim a Deus selou a minha sina
Nasci, teu filho; e tu, minha mãe querida
Também nasceste: a ti foi concedida
A graça, entre as maiores, feminina
De ser mãe – ventre santo de onde mina
Um amor que ama sem qualquer medida.
Tal é teu desmedido coração
Que com paixão marcaste meu destino:
Amar porque me amaste por primeiro
É justo que eu suplique em oração
A Deus que, em vez de prêmio pequenino,
O Céu a ti entregue por inteiro

Em frontispício (Bruno Tolentino)

“Eu vos compensarei pelos anos que
o gafanhoto comeu…”
(Joel, 2:25)
O Senhor prometera nos compensar os anos
que a legião dos gafanhotos devorara,
meu coração, mas a promessa era tão rara
que achei mais natural vê-Lo mudar de planos

que afinal ocupar-Se de assuntos tão mundanos.
Assombra-me, portanto, ver uma luz tão clara
fecundar-me as cantigas, coração meu – repara
como crescem espigas entre escombros humanos…

Naturalmente, quem sou eu para que Deus
cumprisse em minha vida promessa tão perfeita,
e no entanto ei-Lo arando, limpando os olhos meus,

fazendo-os ver que, no trigal em que se deita
a luz dourada e musical, se algo perdeu-se
foi como o grão – entre a seara e a colheita.

O amor tem vozes misteriosas… (Alphonsus de Guimaraens)

– O amor tem vozes misteriosas
No coração implume…
– Como são cheirosas as primeiras rosas,
E os primeiros beijos como têm perfume!

– O amor tem prantos de abandono
No coração que morre…
– As folhas tombam quando vem o outono,
E ninguém as socorre!

– O amor tem noites, noites inteiras,
De agonias e de letargos…
– Que tristeza têm as rosas derradeiras,
E os últimos beijos como são amargos!

Dor oculta (Guilherme de Almeida)

Quando uma nuvem nômade destila
gotas, roçando a crista azul da serra,
umas brincam na relva; outras, tranqüila,
serenamente entranham-se na terra.

E a gente fala da gotinha que erra
de folha em folha e, tremula cintila,
mas nem se lembra da que o solo encerra,
da que ficou no coração da argila.

Quanta gente, que zomba do desgosto
mudo, da angustia que não molha o rosto
e que não tomba em gotas pelo chão,

havia de chorar se adivinhasse
que há lagrimas que ocorrem pela face
e outras que rolam pelo coração!

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