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Em frontispício (Bruno Tolentino)

“Eu vos compensarei pelos anos que
o gafanhoto comeu…”
(Joel, 2:25)

O Senhor prometera nos compensar os anos
que a legião dos gafanhotos devorara,
meu coração, mas a promessa era tão rara
que achei mais natural vê-Lo mudar de planos

que afinal ocupar-Se de assuntos tão mundanos.
Assombra-me, portanto, ver uma luz tão clara
fecundar-me as cantigas, coração meu – repara
como crescem espigas entre escombros humanos…

Naturalmente, quem sou eu para que Deus
cumprisse em minha vida promessa tão perfeita,
e no entanto ei-Lo arando, limpando os olhos meus,

fazendo-os ver que, no trigal em que se deita
a luz dourada e musical, se algo perdeu-se
foi como o grão – entre a seara e a colheita.

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Soneto em Forma de Oração

Ser ou não ser: eis a questão que a vida
A ti apresentou ainda menina
Teu sim a Deus selou a minha sina
Nasci, teu filho; e tu, minha mãe querida
Também nasceste: a ti foi concedida
A graça, entre as maiores, feminina
De ser mãe – ventre santo de onde mina
Um amor que ama sem qualquer medida.
Tal é teu desmedido coração
Que com paixão marcaste meu destino:
Amar porque me amaste por primeiro
É justo que eu suplique em oração
A Deus que, em vez de prêmio pequenino,
O Céu a ti entregue por inteiro

Há metafísica bastante em não pensar em nada (Alberto Caeiro)

V

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por…

Como ler poesia (e para quê): a poesia como alimento para a alma

A maioria dos grandes poetas concorda que os poemas não têm propriamente uma função. Os bons poemas simplesmente são — e isso já lhes basta. Não é possível negar, entretanto, que a poesia pode ser terapêutica na mesma medida em que não tenha a pretensão de sê-lo. Se você acha que a poesia é um mero passatempo para desocupados ou uma válvula de escape para malucos de toda ordem sugiro que repense seus preconceitos e comece a ler a boa poesia. Para ajudá-lo nessa empreitada, eis alguns motivos para você começar a ler poesia (clique sobre os tópicos para acessar os poemas):

Para descobrir onde estão as pessoas com quem você convivia na sua infância

Para entender por que a vida asfixia alguns de nossos “cantos de inocência”

Como decidir entre a psiquiatria e a poesia

Para entender o que é ter vivido…

O anelo de ver desvanecida a treva espessa…

O que procuraste em ti ou fora de teu ser restrito e
nunca se mostrou, mesmo afetando dar-se ou
se rendendo, e a cada instante mais se retraindo, (…)
vê, contempla, abre teu peito para agasalhá-lo.
(‘A máquina do mundo’, Carlos Drummond de Andrade)
Como em turvas águas de enchente, eu vivi até o final da minha adolescência tardia na selva tenebrosa das pedagogias falidas, conduzidas por cegos e ‘animada’, por assim dizer, por uma plêiade de ideias feitas de palha e de homens sem fibra. O Sol e a Lua da minha segunda infância, entre eclipses e estranhos desalinhamentos, já não ofereciam orientação suficiente: muito cedo os vi apontando para dois pólos-norte. Mas a privação de alimento não afugentou a fome de sentido e significado, antes a aumentou. Submergido entre destroços do presente, porém movido por uma curiosidade intelectual insaciável, passei alguns dos mais preciosos anos da minha vida tropeçando em livros de quarta ou quinta categoria.…

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