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Comece a estabelecer metas de estudo através do exercício do necrológio

Pode me dizer que caminho devo tomar para sair daqui? – perguntou Alice.
– Isso depende muito do lugar onde você quer chegar!
– disse o gato.
– O lugar não importa muito –
disse Alice.
– Ora, se você não sabe onde quer chegar, qualquer caminho serve.

(Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol)

“Que saudade do futuro”
(Murilo Mendes)

Antes de sair em busca de conhecimento, saiba por quê você está estudando.

A ideia de que a pessoa bem-sucedida é aquela que se aproveita do fluxo dos acontecimentos e se deixa levar por ele esconde parte importante da história.

Para alcançar seus propósitos não basta que você confie que existe uma inteligência ordenadora por trás das circunstâncias da vida; é necessário mais: você precisa, basicamente, de duas coisas:

  • Ter uma noção clara de seus objetivos; e
  • Com base nesses objetivos, planejar seus passos.

Neste texto, falaremos da descoberta de seus objetivos.

Os objetivos não servem apenas para que você saiba que alcançou o que queria. Mas servem para animar (ou seja, para dar vida a) cada passo de seus estudos. Porque cada passo de sua trajetória deve estar necessariamente conectado com a meta final.

Mas quais são os objetivos certos?

Não existem propriamente objetivos certos e objetivos errados. O que há são objetivos mal-escolhidos.

Para eleger os objetivos de seus estudos, no médio e longo prazo, você precisa se conhecer. Porém, conhecer-se a si mesmo não é só saber tudo sobre essa pessoa única e irrepetível que responde pelo seu nome. Porque, além de ser um indivíduo, você também é membro da espécie humana. E essas duas circunstâncias são muito importantes no momento de traçar suas metas.

Por isso, você precisa ter uma noção mais ou menos clara do que é ser gente.

Se você teve uma excelente educação, é provável que já tenha internalizado uma imagem adequada da vida humana. Se não teve, é bom que comece a correr atrás do prejuízo. Saber o que é um ser humano e para que estamos aqui evitará que você se dedique a alcançar objetivos que não o preencherão – como quem, por exemplo, não tendo uma noção adequada da natureza do funcionamento de seu corpo, pretenda saciar sua fome ingerindo drops de hortelã.

A seu modo, as diversas religiões e as variadas filosofias morais buscam fixar parâmetros para entender o que estamos fazendo aqui.

Supondo que você saiba relativamente bem para quê existimos, você precisará também conhecer suas habilidades e seus pontos fracos. Sem isso, o que quer que você deseje implementar poderá fracassar – quer porque você intuirá (e se confundirá com) a voz da consciência exigindo que você se dedique à atividade que melhor se ajusta a suas aptidões, quer porque você não terá capacidade pessoal de levar o projeto adiante – simplesmente porque ele não era seu.

Se você ficar mais ou menos dentro dessas duas molduras, a chance de que você esteja querendo a coisa certa pelos motivos certos aumenta muito.

Então, como começar a pensar nas metas?

Há diversos modos de se estabelecerem metas. Um dos mais interessantes é o método conhecido como Smart (que fixa algumas características desejáveis para as metas, que deve ser específicas, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e com prazo – do inglês specific, measurable, achievable, relevant e timely). Caso queira saber mais sobre esse método, aqui há um artigo bem instrutivo.

Em outro texto, voltaremos a falar do método Smart com ênfase na vida de estudos independentes.

Aqui, agora, seria importante que você entendesse melhor algo mais profundo, que está por cima e além de metas específicas e mensuráveis que você pode assumir nos seus estudos.

O que eu quero dizer é que antes de estabelecer suas metas de estudo, você precisa saber quem você quer ser.

Para isso, pode ser interessante que você gaste um tempinho no exercício do necrológio, que o prof. Olavo de Carvalho, por exemplo, sugeriu a seus alunos na Aula 001 do Curso Online de Filosofia.

O que é o exercício do necrológio?

O necrológio é um texto que você escreverá sobre a sua própria vida.

Porém, não é um texto qualquer. Para escrevê-lo, você assumirá o olhar que um amigo seu (real ou imaginário) lançará sobre sua vida no dia do seu enterro, em uma carta dirigida a um amigo comum que não o via há muito tempo.

Para que o exercício funcione é imprescindível que você cumpra quatro requisitos:

  • Enquanto escreve, considere que você já faleceu; e que alcançou em vida todos os seus objetivos.
  • Tente descrever a pessoa em quem você se transformou ao fazer tudo o que fez. O que você fez ou deixou de fazer pode ser narrado, mas é periférico. A ênfase não está aí.
  • O amigo narrador deve conhecê-lo bem, em todos os sentidos.
  • Você deve retornar ao seu necrológio periodicamente, para sintonizá-lo com cada passo de sua trajetória.

O texto ideal não terá mais que mil palavras; e – repito – pode e deve ser revisto de tempos em tempos.

Para que serve o necrológio? Por que ele é importante?

O texto do necrológio é uma imagem discursiva de seus anseios mais profundos no que diz respeito ao significado e às razões/fundamentos da sua própria vida tais como, num dado momento, você consegue apurar.

Naturalmente, esse exercício é valioso por pelo menos quatro razões:

1. Porque ele é uma meditação sobre a morte

O exercício do necrológio lhe dá um banho de realidade, pois o coloca diante da perspectiva da morte – que é, vamos combinar, uma das pouquíssimas certezas que temos.

Na tradição cristã, a meditação da morte é feijão-com-arroz. São Pedro de Alcântara (no Tratado da Oração e da Meditação) e São Francisco de Sales (na Introdução à Vida Devota), por exemplo, ensinam como fazê-la.

Sim, você não precisa esperar a hora da morte para refletir sobre os rumos que sua vida terá, então, tomado. Se você se adiantar, poderá começar a retificar seus eventuais descaminhos desde já.

A propósito, uma enfermeira australiana, habituada a conversar com doentes no leito de morte, reuniu os cinco arrependimentos mais comuns das pessoas que estão para morrer. Vale a pena dar uma olhada na reportagem – sobretudo porque entre os arrependimentos mais comuns está o de não ter vivido uma vida autêntica.

2. Porque ele amplia as perspectivas que você tem sobre sua própria vida

Ao permitir que você assuma a visão que um terceiro tem sobre você, o exercício do necrológio amplia sua percepção e renova seu olhar sobre sua própria vida.

O necrológio, aliado a uma experiência literária rica, aumenta consideravelmente sua imaginação. Levando em conta que sua inteligência trabalha sobre os dados da memória e da imaginação, isso quer dizer que você lhe estará dando alimento para operar.

3. Porque ele permite que você expresse seus anseios mais íntimos

O necrológio o incentiva, através do exercício da escrita, a expressar (talvez pela primeira vez) que rumo você quer dar à sua vida.

Anote isso: se você não pensa com carinho sobre sua vida, ninguém mais pensará. O mundo está cheio de gente com mil planos para você. Ou você escolhe o que fará de sua vida ou outros escolherão por você.

4. Porque ele é um exercício de foco e integridade

Hoje em dia é moda falar em foco. E é consenso que o estabelecimento de objetivos ajuda a dar foco em nossa atividade.

Mas não há foco se não há unidade de propósitos.

Que bicho é esse?

Vou lhe contar uma história. Quando eu era criança, eu e minha prima Michelle brincávamos de tocar fogo em folhas de papel utilizando uma lupa.

Os raios de Sol, isolados, não eram capazes de queimar a folha. A lupa, ao reunir os raios e concentrá-los em um ponto, aumentava consideravelmente a temperatura do feixe de luz.

Como resultado, a folha começava a queimar. Parecia mágica. Aliás, G. K. Chesterton me convenceu (no Ortodoxia) que é mágica mesmo!

O que se aprende com isso? Ora, que para ter foco é preciso ter unidade; e você só consegue fazer isso juntando todos os fragmentos de sua pessoa, que podem ser percebidos na usual desordem com que seus pensamentos e as imagens que os acompanham habitam sua mente consciente.

Já que o necrológio é um texto – e é um texto pequeno –, você consegue tê-lo nas mãos e captar sua imagem, e o que ela representa, numa fração de tempo relativamente pequena. A redação e a leitura do necrológio funcionam como exercício de unificação dos fragmentos de sua vida interior – com isso tendendo a reduzir sua ansiedade e a organizar suas ideias a respeito de sua própria vida.

Com isso, será capaz de discernir o que realmente é importante para você; e poderá, como resultado disso, planejar melhor o modo como alcançará seus objetivos de estudo.

Uma vez que tenha compreendido a importância deste exercício e como se faz, cabe a você colocar as mãos na obra. E se tiver alguma dúvida a respeito desse assunto, não deixe de me escrever!

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Responses

  1. Bruno eu venho protelando fazer o Necrologico faz tempo, uma vez comentei contigo, já fiz uma ou duas tentativas e nunca cheguei a uma conclusão, mas agora você me incentivou a fazê-lo ainda mais. Inclusive depois dos textos acessórios com o os 5 arrependimentos mais comuns e as 5 razões para se ter objetivo. Minha sugestão seria para que continue sendo como um guia para os demais exercícios do COF, como foi nesse conteúdo, por exemplo, e até outros exercicios se considerar apropriado.