fbpx

Precisamos falar sobre educação

Para melhorar os péssimos resultados do ensino brasileiro temos sempre à mão uma solução aparentemente infalível: precisamos investir mais na educação e na valorização dos professores. Aumentar o salário dos professores é uma boa coisa, pois eles realmente ganham muito pouco. Mas a solução usualmente apresentada – investir mais dinheiro no ensino institucionalizado – certamente não melhorará a educação brasileira.

A nossa educação anda mal. Há muitos anos nossos estudantes tiram sistematicamente algumas das piores notas nas avaliações internacionais de aprendizado. Subtraímos nossos jovens do lar por cinco horas diárias durante nove anos e o resultado de tanto esforço é, geralmente, uma capacidade mínima de compreender capas de revistas, os preços nas vitrines e a importância de obedecer às recomendações das autoridades sanitárias.

No ensino superior a coisa é apenas um pouco melhor. A contribuição das universidades brasileiras para a ciência é mínima; e não é apenas por falta de investimento público. Há poucos meses o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite disse que a nossa produção científica é “lixo acadêmico”.

Colocar mais dinheiro na educação não resolverá o problema porque a intenção geral das escolas não é propriamente educar as pessoas no sentido clássico do termo. Perder as esperanças nesse sistema que está aí talvez seja o único modo de começar a modificá-lo. Mas saibamos: porque a concepção mesma de educação universal é falha em suas próprias bases seria bom que nossa expectativa em relação a ela fosse mais realista.

A tese de fundo, aqui, é do padre e educador Ivan Illich: a nossa escola não pretende educar as pessoas, mas distribuí-las nas diversas posições necessárias ao bom funcionamento da sociedade. Se necessitamos de advogados, de médicos, de engenheiros e de biólogos, é preciso que muito cedo se apresentem, aos pequenos, amostras suficientes da matéria com a qual esperamos que eles trabalhem mais tarde. Assim se garante um número suficiente de profissionais em cada uma das atividades-chave. É disso que se trata. Nesse sentido, todo o ensino se tornou ensino profissionalizante. E a educação, onde fica? Leiam Ivan Illich e saberão. Voltarei a esse tema em outra oportunidade.

Para piorar um pouco as coisas, os nossos professores vêm sendo escalados – muitas vezes contra suas convicções – para doutrinar os alunos em assuntos que determinados grupos de pressão buscam impor. Os alunos são então introduzidos em um universo de regras sociais que, a título de fomentar uma pretensa cidadania, geram medo, contradizem seus sentimentos mais genuínos e invertem o senso das proporções. Nesse ambiente tenso e controverso a educação não encontra lugar. Vejam, a esse respeito, o livro “Maquiavel Pedagogo”, de Pascal Bernardin.

Para coroar de uma falsa glória um mecanismo que não tem funcionado bem, alguns se alegram com a existência do chamado “direito à educação”. A expressão indica, no máximo, o direito à existência de um sistema educacional custeado pelos impostos. Mas muitos a interpretam como o “direito de ser educado” – o que a rigor é uma fantasia. Pois vejam: quem é o sujeito ativo do aprendizado? O aluno. O jovem aluno tem, isso sim, o dever de se educar e o direito de buscar quem o ensine. Porque só se educam pessoas que estão maximamente interessadas em aprender e dispostas a buscar o conhecimento onde quer que ele esteja. O desejo de aprender, segundo Ivan Illich, é sufocado pela obrigatoriedade do ensino e pela burocracia. A educação, como o amor, só cresce onde há liberdade.

(Publicado no Diário do Rio Doce, em 17.06.2015)

Related Articles

Um olhar “agricultural” sobre a educação

Na visão de boa parte das pessoas que geralmente emitem opinião em almoços de família, bares e cantinas de empresa, a educação é a solução para todos os mais graves problemas nacionais. Segundo parece, a falta de educação é culpada pela má-escolha de nossos representantes políticos, pela corrupção com dinheiro público, pela desestruturação das famílias, pelo alto índice de homicídios e assaltos, pelo uso de drogas, pelas traições conjugais, pelo lixo jogado na rua, pela má-qualidade de nossos artistas, pelo baixo nível da programação dos canais de televisão etc. Com isso em vista, compreende-se que, conforme a sabedoria popular, a educação transforma as pessoas e as torna capazes, por sua vez, de transformar, para melhor, a vida em sociedade. Porém, todo livro sobre políticas públicas educacionais escrito a partir dos anos 2000 indica que, no Brasil, a taxa de matrículas de crianças em idade escolar em estabelecimentos educacionais estabilizou-se em…

Notas sobre educação

Educação universal, obrigatória e “comum” é um modo de desconsiderar as necessidades vitais de cada um dos indivíduos sob o pretexto de atendê-las.
***
Quem nunca sentiu que o ensino escolar enterrou bem fundo alguns de seus mais preciosos talentos permaneça onde está.
***
É particularmente interessante a ideia do filósofo Harry Brighouse: a educação tem, ou deve ter, por finalidade preparar a criança para o florescimento. Em linhas gerais: deve prepará-la para compreender modos de vida diversos daquele em que nasceu, prepará-la para uma participação saudável na economia e prepará-la para contribuir positivamente para a política. A pergunta que se deve fazer, quando se imagina aplicar essa concepção no Brasil, é: quando teremos um número razoável de professores suficientemente capacitados para essa tão difícil tarefa?
***
Não sei se vocês sabem, mas uma parte dos trabalhos acadêmicos em educação no Brasil é dedicada…

A tradição literária universal é nossa por herança: o desastroso projeto do Ministério da Educação

O Ministério da Educação da Pátria Educadora caiu nas mãos de um filósofo burocrata que decidiu revolucionar o nosso ensino através da formulação de uma nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Como as vítimas de nosso sistema educacional saem dele, na maior parte das vezes, como semianalfabetos e analfabetos funcionais incapazes de diferenciar a tabuada da tabela periódica, o ministro da educação da ocasião decidiu mudar tudo. As disciplinas mais afetadas serão História e Língua Portuguesa (faltou-lhe coragem para revolucionar as leis da física).

A prevalecer seus planos mirabolantes, os futuros alunos da Pátria Educadora praticamente ignorarão a História da Europa, desde a Grécia Antiga até a Revolução Francesa. A partir de então, as aventuras e as desventuras de Péricles, Sócrates, Júlio César e Napoleão Bonaparte voltarão a ser como antes, nos tempos de Homero: serão objeto de ensinamento oral no seio das famílias tradicionais. Quase sem querer, por ato…

Se uma figura vai murchando, outra, sorrindo, se propõe

O Ministério da Educação anunciou nesta semana que promoverá “aulas de reforço” para universitários que ingressarem nas universidades brasileiras pelo sistema de cotas.
Sim, chegamos ao fundo do poço. Não parece mais sensato oferecer esse reforço, antes do vestibular, aos vestibulandos vitimados pela baixa qualidade do ensino público, justamente para que eles possam, por seus próprios méritos, ingressar na universidade?

Para melhorar o ensino no Brasil parece necessário reconhecer que toda a base da educação nacional, que predominou nas últimas décadas, deve ser esquecida. Mas a maioria dos educadores e “pensadores”, por assim dizer, da área está comprometida até o pescoço com a aplicação dessas técnicas de emburrecimento em massa: tem muita gente que ganha a vida remoendo, indo e vindo, sobre os temas de suas especializações, de mestrados e de doutorados na área. Não é exigível que essa massa de (anti-) pensadores reconheça que investiu suas vidas em um barco furado, rasgue…

Responses