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Estudando Aristóteles: o Trivium

Há muito não nos falamos. Mas a luta continua. O meu estudo da filosofia aristotélica prossegue. O planejamento inicial, é verdade, foi e está sendo ligeiramente modificado. Mas como eventuais modificações pontuais já estavam previstas, posso dizer que, rigorosamente, estou em dia com o plano de trabalho.

O que já fiz desde a última postagem? Fiz uma varredura em três ou quatro comentadores (principalmente Enrico Berti e Eduardo Bittar) em busca de mapear os textos incluídos no Órganon acrescidos da Poética e da Retórica. Esse mapeamento me deu uma noção geral, bem abrangente, dos temas tratados nos livros, de determinados conceitos trabalhados por Aristóteles e das relações entre os textos. Essa é, na minha opinião, uma excelente maneira de se aclimatar com a atmosfera na qual a leitura direta do texto o colocará.

Uma vez que terminei esse mapeamento inicial, comecei a leitura do livro das Categorias e, na sequência, do livro Da Interpretação (livro difícil — estou atrás dos comentários de Santo Tomás de Aquino, que segundo o prof. Carlos Nouguê esclarece obscuridades importantes).

Fiz apenas uma leitura de cada um desses livros, na edição da Edipro (não é excelente, mas também não me pareceu péssima). Colecionei algumas dúvidas — passagens que, em geral, não compreendi perfeitamente do que Aristóteles estava falando. Tentarei sanar estas dúvidas, primeiramente, através de outras traduções (tradução em língua espanhola, pela Editorial Gredos; e tradição em língua inglesa, por Jonathan Barnes). As dúvidas que anotei foram as seguintes:

Dúvidas a partir da leitura Das Categorias:

1) No Livro II (1a1, 20), não entendi bem o que quer dizer “homem não é encontrado em um sujeito”. Aristóteles explica depois, mas ainda assim fica confuso. Ele diz: “Por ’em’, ‘presentes’, ‘encontrado em um sujeito’ não quero dizer presentes ou encontrado como se suas partes estivessem contidas num todo – quero dizer que não pode existir como se à parte do sujeito referido”. Por fim, não entendi o que ele quis dizer com “há essa classe de coisas que estão presentes ou são encontradas num sujeito, ainda que não possam ser afirmadas, de modo algum, de qualquer sujeito conhecido”. Será que ele está se referindo à divisão dos seres em substâncias e acidentes? Parece que sim.

Possível solução: no glossário de Enrico Berti, consta que substância é “aquilo que não está em um sujeito nem se predica de um sujeito (substância primeira). Ex: Sócrates”. Além disso, “aquilo que não está em um sujeito, mas se predica de um sujeito (substância segunda). Ex: homem”. Logo, os indivíduos são substâncias primeiras. Ela “não está no sujeito nem se predica dele”. A espécie é substância segunda: ela não está no sujeito, mas se predica dele.

Substância, em sua acepção própria, é aquilo que não é nem dito de um sujeito e nem está em um sujeito.

Parece haver ainda uma terceira modalidade: há coisas que não apenas são afirmadas de um sujeito como também estão presentes num sujeito (1b1, 1): “o conhecimento, ao mesmo tempo que presente nesta ou naquela alma como um sujeito, é igualmente afirmado em relação à gramática”. Note que – se entendi bem – a alma é sujeito do conhecimento gramático. Qual seria a relação entre o conhecimento e a gramática?

Há uma quarta modalidade de coisas que nem estão num sujeito nem podem ser afirmadas de um. Por exemplo: este ou aquele homem ou cavalo, pois nada deste tipo se acha num sujeito ou é afirmado de um (1b, 5).

2) O que quer dizer (1b, 5) “nunca podemos afirmar de um sujeito o que em sua natureza é individual e também numericamente uno; no entanto, em alguns casos nada impede que esteja presente ou seja encontrado em um sujeito”? Será que ele está dizendo que não podemos afirmar de um homem aquilo que nele é acidental – por exemplo, tem 38 anos de idade –, mas que este acidente pode ser encontrado no sujeito?

3) Quando Aristóteles diz (2a, 35): “Salvo a substância primária, todas as outras coisas são afirmadas da primeira substância como sujeitos ou estão nela presentes como seu sujeito. Por exemplo: predicamos animal de homem, de sorte que predicamos também animal de qualquer ser humano particular. Se não houvesse indivíduos dos quais se pudesse assim predicar, não se poderia predicá-lo da espécie”, o que ele quer dizer com “afirmadas da primeira substância como sujeitos”?

Ele volta a dizer o mesmo (2b, 15): “as substâncias primárias fazem jus a este nome uma vez que formam a base de todas as outras coisas, as quais, por seu turno, serão seus predicados ou nela estarão como seus sujeitos”.

Será que está dizendo que são afirmadas “como sujeitos” porque são substâncias segundas – nas quais o indivíduo (substância primeira) se “insere”?

Será que a substância primeira é sujeito dos predicados, assim como a substância segunda é sujeito de alguns outros (inclusive da substância primeira)? Parece que não.

4) Aristóteles diz (3a, 1): “Exatamente como a substância primária está relacionada a tudo o mais, seja o que for, também o estão o gênero e a espécie nos quais essa substância está incluída, relacionada a todos os atributos não incluídos no gênero e na espécie, pois estes são seus sujeitos. Se podemos dizer que um homem é ‘versado em gramática’, consequentemente também podemos dizer que sua espécie e gênero (a espécie humana e o gênero animal) também são ‘versados em gramática’.
Eu entendi o que ele quer dizer, mas não as consequências. Mas não é estranho dizer que “animal é versado em gramática”? Ora, o boi não é versado em gramática. Como conciliar?

5) Por que se diz que as substâncias secundárias “não estão no sujeito”? Aristóteles o diz (3a, 10): “Predicamos ‘homem’ de um homem; entretanto, ‘homem’ não está num sujeito, uma vez que a humanidade não está em um homem. E o que vale para a espécie, vale também para o gênero. Além disso, quando uma coisa pode ser encontrada num sujeito, nada nos impede de predicar o seu nome ao sujeito em questão e, entretanto, não a definição. Contudo, no que concerne a uma substância secundária, tanto o nome quanto a definição aplicam-se também ao caso do sujeito. A definição da espécie (o homem – a espécie humana) e a do gênero (o animal) são usadas referindo-se a um indivíduo humano. Portanto, a substância não se encontra num sujeito”.

Quando ele diz que “quando uma coisa pode ser encontrada num sujeito, nada nos impede de predicar o seu nome ao sujeito em questão e, entretanto, não a definição” está se referindo ao caso, por exemplo, em que se predica “branco” de um corpo. Pode-se dizer que “o corpo é branco” (nome), mas não se pode dar ao corpo a definição de branco.

6) Aristóteles diz (3a, 25): “Assim como as substâncias não estão presentes em sujeitos, também a diferença. Da espécie denominada ‘humana’ pode-se dizer que ‘caminha sobre os pés’ e que é ‘bípede’; estas diferenças, contudo, não são encontradas nela, pois nem uma nem outra está no homem. Onde, por outro lado, afirma-se a diferença, afirma-se também sua definição. Supõe que da espécie denominada ‘humana’ que deverias predicar ‘que caminha sobre pés’. A definição, inclusive, desse atributo, então, se aplicaria a essa espécie, uma vez que o homem, o ser humano em geral, efetivamente caminha sobre os pés.”

O que ele quer dizer com “estas diferenças, contudo, não são encontradas nela, pois nem uma nem outra está no homem”? Como assim, “ser bípede” não está no homem? Não entendi.

7) Aristóteles diz (3a, 30): “Que as partes das substâncias estão presentes ou são encontradas tanto nos todos como em sujeitos é um fato que dificilmente deverá nos perturbar ou nos tornar receosos de sermos forçados a classificar todas essas partes como não sendo substâncias. Afinal, não qualificamos ‘presentes em um sujeito’ por ‘não como as partes em um todo’”?

Nesse trecho ele diz que:
i) as partes das substâncias são encontradas tanto nos todos como em sujeitos – não entendi bem o que ele quis dizer com “todos” (quererá se referir às substâncias secundárias?) e como “sujeitos” (seriam as substâncias primárias?);
ii) essas partes das substâncias não são, elas mesmas, substâncias – o que são essas partes? São os acidentes em sentido amplo (quer dizer todos os seres exceto a substância)?
iii) ‘presentes em um sujeito’ tem a acepção de ‘não como as partes em um todo’ – caramba, de que ele está falando? Se as partes são os acidentes em sentido amplo, eu entendi o que quer dizer ‘presentes em um sujeito’, mas e o ‘não como as partes em um todo’? Quer dizer que o conjunto das partes não forma o todo? Que não adianta dividir o todo em busca de encontrar as partes? Não entendi.

8) Aristóteles diz que apenas a substância pode, permanecendo numericamente una e a mesma, pode receber qualificações contrárias. (4a, 10). Eu entendi, mas não compreendi bem as possíveis exceções que ele dá em seguida: as asserções e opiniões. Ele diz que uma opinião de que “aquele homem está sentado” é verdadeira enquanto ele está realmente sentado, mas se ele se levanta, ela passa ser falsa. Ele diz que na verdade a asserção e a opinião permanecem em si mesmas completamente inalteráveis em todos os aspectos; se assumem a qualidade contrária, sendo ora verdadeiras, ora falsas é porque os fatos da situação terão mudado. Ele prossegue argumentando nesse sentido até o final do Livro V.

Sim, eu acredito que entendi o que ele quis dizer. Mas em que nível ele está falando? Ser verdadeiro ou falso é um predicado da opinião? Qual predicado? Sou capaz de explicar essa possível exceção à regra inicial e fundamentar por que ela não é, realmente, uma exceção?

9) Aristóteles diz (5a, 5) que “O espaço é um todo e contínuo (é quantidade contínua), pois uma vez que as partes mesmas do sólido ocupam um certo espaço e estas e estas partes possuem um limite em comum, conclui-se que também as partes do espaço, que aquelas próprias partes ocupam, possuem exatamente o mesmo limite ou termo comum das partes do sólido. Como o tempo, é o espaço, portanto, contínuo: suas partes se reúnem numa fronteira comum”. Eu acho que entendi. Será que ele quer dizer aquilo que eu intuía quando comecei a estudar Platão em 2009? Como expressar isso?

Acho que o problema está em entender o que seja “limite comum que as partes do sólido possuem” – e, depois, entender de que maneira o espaço que estas partes do sólido ocupam tem o mesmo limite comum (ou termo comum) que elas.

10) Aristóteles disse que virtude e vício são relativos (6b15). Não entendi: relativos a quê? É por essas e por outras que eu acho que não captei bem o que é a categoria dos relativos (e também, por exemplo, quando ele diz que estado é relação (em 6b5).

11) Aristóteles diz que os relativos têm correlativos (6b35). Por exemplo, escravo e senhor. Mas diz que pode haver erro quando o correlativo é erroneamente indicado. Por exemplo, quando se chama asa a asa de uma ave – e não a de um alado (como seria mais correto – e de onde emergiria claramente o correlato). Não entendi porque “asa e ave não são correlativos” e “asa é asa de uma ave quando consideramos esta não como ave, mas como alada”. Fiquei sem entender. Principalmente quando ele, diz adiante (7b1), em um exercício, que alado é atributo de ave (e que, portanto, poderia ser retirado do conceito). Ora, ter asas é um atributo de ave? Não faz parte de sua definição?

Talvez a solução esteja naquilo que ele diz adiante, para dizer que às vezes não há palavra para significar o correlativo: “leme e barco não apresentam reciprocidade; leme é leme dos lemeados – e não do barco; e o que é lemeado o é por meio de seu leme” (7a10)

Outra forma de compreender é o que ele disse: muitas outras coisas que não são ave são aladas; e há muitos barcos sem leme. Daí que não há correlação necessária. Acho que entendi.

12) Quando dá exemplo de casos de correlativos que não são naturalmente simultâneos, Aristóteles fala do conhecimento e do conhecido (pois este pode existir sem aquele) e menciona a quadratura do círculo como algo que existe como um objeto mas que ainda não é conhecido (7b30). Como assim a quadratura do círculo existe como um objeto?

13) Aristóteles diz que entre as qualidades estão as afeições, mas faz uma diferenciação entre condições que vêm de causas que a tornam permanentes e condições originárias de causas logo tornadas inoperativas. As primeiras são realmente qualidades (por exemplo: feições pálidas ou morenas); mas as segundas serão melhor chamadas de estados passivos, e não qualidades, uma vez que ninguém é chamado deste ou daquele modo por força dessas condições (por exemplo: quem cora de vergonha não é chamado naturalmente rubro; nem é considerado naturalmente de pele pálida aquele que empalidece por causa do medo) – 9b30. Entendi mais ou menos. Mas acho que não peguei todo o alcance do ensinamento. Ele está diferenciando estados (a primeira modalidade de qualidade, propriamente chamada de hábito) de estados passivos (esses, sim, classificados como afeições – mas estas seriam da categoria da paixão ou do estado?)

14) Quando Aristóteles diz (10b30) que a qualidade admite graus, dá exemplos de possíveis exceções: por exemplo, a justiça e a saúde, em sim mesmas, não admitem gradações, mas uma pessoa é mais saudável do que outra, mais justa que outra, o mesmo valendo para o conhecimento gramatical e todas as demais disposições. Entendi. Mas em que sentido “justiça” é dito quando se diz que não admite variações? Sim, porque se como qualidade ela admite, em que sentido é dito “justiça” quando entendida como incapaz de variação? A justiça do mundo das ideias? Como assim?

Será que a resposta a isto está em dizer (11a15) que “essas características não são pertencentes à qualidade. O que lhe é característico é a predicação de semelhante ou dessemelhante com uma referência exclusiva à qualidade, isto porque uma coisa é semelhante à outra no que respeita exclusivamente a uma qualidade”?

Também adiante ele dá outra pista quando diz que incluiu no estudo da qualidade termos relativos – entendendo estados (hábitos) e disposições como termos relativos (11a20).

15) Aristóteles diz que na maioria dos casos os gêneros são relativos, enquanto as espécies particulares, não. O conhecimento, que é gênero, é definido por referência a alguma coisa que lhe é distinta, uma vez que o conhecimento é conhecimento de alguma coisa. Entretanto, ramos particulares do conhecimento não são assim explicados. Por exemplo, não definimos um conhecimento de gramática ou de música mediante uma referência a alguma coisa externa. A razão disso é porque se são, em algum sentido, relações, somente podem ser tomados como tais do ponto de vista de seu gênero. Por exemplo, a gramática não é chamada gramática de alguma coisa, nem a música de música de alguma coisa. Se, afinal, é em virtude do gênero que se fala destas na sua relação com alguma coisa, a gramática é chamada de conhecimento de alguma coisa (não gramática de alguma coisa), e a música, de conhecimento de alguma coisa (não música de alguma coisa) – 11a25. Eu entendi o que ele quis dizer, mas acho que não captei bem. Então, se a gramática é conhecimento de alguma coisa, ela mesma, a gramática (uma espécie de conhecimento) não tem relação com o seu objeto de estudo? Qual é essa relação?

16) Aristóteles diz (12a35) que “possuir faculdades ou destas carecer não é o mesmo que os correspondentes positivos e privativos; daí que visão e ter visão não devem ser considerados idênticos; estar cego não é cegueira. A cegueira é um privativo, ao passo que estar cego indica uma condição de carência ou privação. Estar cego não é em si o mesmo um privativo. Se cegueira fosse o mesmo que estar cego, ambas as expressões seriam predicáveis do mesmo sujeito; pode-se dizer de um homem que é cego; entretanto não se diz de um homem que ele é cegueira”. Eu entendi o que ele está dizendo, mas preciso explorar este tema, para entender exatamente a que categorias (se assim posso me expressar) cada uma das expressões se refere.
Mais adiante ele acrescenta que “Tal como positivos e privativos são opostos, o são também possuir uma faculdade e estar num estado de privação. Estamos diante do mesmo tipo de oposição, pois estar cego e ter visão se opõem, tal como cegueira e visão.” (12b1)

17) Aristóteles diz (13a5) que: “Os positivos e os privativos não se opõem entre si da mesma maneira que o fazem os contrários. Os sujeitos receptivos aos positivos e privativos não se acham restringidos a ter um ou o outro dos dois opostos, pois o que carece ainda de potência para receber a visão não é qualificado nem de vidente nem de desprovido de visão. Por isso, não devemos classificar os primeiros entre os contrários que não admitem intermediários, mas tampouco devemos classificá-los entre os contrários que possuem intermediários porque um ou outro, por vezes, tem que formar parte de cada sujeito possível.” Não entendi bem e ainda não sou capaz de explicar essa diferença.
Em tempo: por “o que carece ainda de potência para receber a visão” acho que ele está querendo se referir ao nascituro, especialmente pelo que diz em 13b20).

 

Dúvidas a partir da leitura do livro Da Interpretação:

1) Aristóteles diz (16a30) que “não-homem” e similares não são nomes, porque não são nem negações nem frases (afirmativas). Por falta de opção, classifica de “nomes indefinidos”. Não entendi duas expressões dele: i) quando ele fala que “desconheço quaisquer nomes reconhecidos que se possam atribuir a expressões como esta”; e ii) “as utilizamos com todos os tipos de coisas: ao que não é bem, como ao que é”. Não entendi o alcance dessas expressões. Ou seja: do quê ele está falando.

2) Não entendi o que ele quis dizer que se “de Fílon” ou “para Fílon” fossem nomes então “definiríamos todos esses casos como o próprio nome é definido” (16b1) e nem o que quer dizer quando diz que “quando lhes são acrescentados é, era ou será, não formam proposições que são verdadeiras ou falsas, como o nome, ele mesmo sempre forma”. Não entendi, particularmente porque não entendi qual é a diferença entre usar “Fílon” ou “é de Fílon” numa proposição (que pode, a depender do caso, ser verdadeira ou falsa nas duas hipóteses).

3) Não entendi o que um obscuro Aristóteles diz em “Os verbos, por si mesmos e isoladamente, são nomes e significam alguma coisa, pois aquele que fala interrompe seu processo do pensar e o ouvinte faz uma pausa” (16b20).

4) Não entendi bem o que são proposições múltiplas ou compostas (17a15). Seriam proposições compostas de proposições simples? Mas como seria um conjunto de proposições simples?

5) Aristóteles diz (18b5) que como as proposições com sujeito particular com predicado se referindo ao futuro são ou verdadeiras ou falsas (e sempre serão assim), “nada há que aconteça por acaso ou que seja atingido pelo acaso. Não pode haver nenhuma contingência, todos os acontecimentos tendo de se produzir por necessidade. Nada é fortuito, contingente, pois se alguma coisa acontecesse por acaso, não aconteceria por necessidade”. Não entendi o que ele quis dizer. Ele está negando o acaso?

Ocorre que, aparentemente, ele estava levantando hipóteses. Isso porque mais adiante (19a15) ele diz que “fica claro que nem tudo é ou se produz por necessidade”, porque “eventos futuros podem depender das deliberações e ações” e que “as coisas que não estão ininterruptamente em ato exibem uma potência”.

6) Aristóteles menciona (19b20) a sentença “algum homem não é justo” como exemplo de utilização de sujeito universal em extensão também universal. A questão é saber se “algum homem” possui extensão universal ou particular. Aparentemente, é universal, pois particular seria “homem” ou “este homem”. Mais adiante (20a15) ele diz que “todo e nenhum significam o próprio sujeito tomado em toda a sua extensão”. Cabe perguntar, então, se “algum” participa do mesmo caso. A conferir.

7) Não ficou claro para mim se os três conjuntos de quatro proposições apresentados por Aristóteles (19b25) são exaustivos, se são figuras do silogismo etc. Trata-se de grupos de proposições distinguidos pelo sujeito: o homem, todo homem e o não-homem.

8) Não entendi o que ele quis dizer (20a20) com “de ‘todo homem é não-justo’ surge a proposição ‘nenhum homem é justo’; e ‘algum homem não é não justo’, sua oposta, resulta ‘algum homem é justo’”. O que ele quer dizer com “surge” e “resulta”?

9) Tive alguma dificuldade de entender o que ele quis dizer (20a25) com os exemplos que deu de predicados e nomes indefinidos, de proposições contraditórias e contrárias que têm o mesmo significado etc. Qual é a intenção dele ao fazer estas comparações?

10) Não entendi bem o que ele quis dizer (20b20) quando abordou exigências para a resolução de uma questão dialética. Parece que ele termina dizendo que uma questão dialética não pode ser meramente uma tentativa de conceituar algo, mas deve exigir uma resposta situada entre duas contraditórias – “indagando, por exemplo, se o ser humano possui ou não possui alguma qualidade definida”. Mas o começo da exposição me foi um pouco obscuro.

11) A parte em que ele diz que “a unidade não pode ser formada por predicados estando um contido no outro” (21a15) está bem difícil de entender. O que dizer então de “quando encontramos no termo adjunto algum oposto que implique em contraditórios, somos induzidos a um discurso falso e não verdadeiro ao fazer a predicação simples, como ao classificar de homem um homem morto”? Difícil de entender.

12) Não entendi o que Aristóteles está querendo dizer (21b5) na argumentação que conclui que “uma tora é um homem não branco”. O que ele está querendo estabelecer aqui?

13) Não entendi bem o que Aristóteles tenta extrair da “potencialidade bilateral” de “possível que seja”. Ele diz que o “possível de ser” envolve uma potencialidade bilateral. A coisa que pode ser (é possível de ser) pode, contudo, não ser. Mas supondo-se que é necessário que seja, não pode ao mesmo tempo ser e não ser. (22b25)

Também não entendi o que ele diz na sequência: Por isso, a “não é necessário que não seja” se segue “possível de ser”. Até aqui, tudo mais ou menos bem. Mas ele conclui: “o mesmo se pode dizer de ‘é necessário que seja’”. Aí eu não entendi.

14) O que Aristóteles quis dizer quando especula a respeito da primeira acepção da palavra “possível”? Ele diz que a proposição “é possível para alguém caminhar” (quando utilizada na primeira acepção, ou seja, para coisas que já estão em ato) pode ser empregada também para “coisas incapazes de movimento”. (23a10) A tradução espanhola não ajuda: “Y esta ultima potencia es própria solo de las cosas mudables, aquella otra, en cambio, también de las inmutables”.

15) Aristóteles trata da possível continuidade entre os sons orais e o juízo que ocorre no intelecto (23a30) e da eventual contrariedade entre os juízos que ocorrem no intelecto – tudo isso como critério para aferir se duas proposições são efetivamente contrárias (e, nesse caso, se se trata, ou não, de negação). Não captei bem o que ele está tentando dizer.

 

Embora sabendo que precisarei retornar ainda uma vez a estes dois textos, decidi prosseguir, iniciando a leitura dos Primeiros Analíticos. Porém, como se trata de um texto de maior extensão, tive receio de me perder entre os tantos detalhes que Aristóteles traz neste livro — que é o texto fundador da lógica no Ocidente. Por isso, resolvi, antes de enfrentá-lo diretamente, terminar a leitura do Trivium, compilado pela Irmã Miriam Joseph, que começara há cerca de três anos.

É verdade que o Trivium não é exatamente um puro resultado da filosofia aristotélica — porque ele conta com contribuições de outros filósofos que acabaram acrescentando à filosofia de Aristóteles outros elementos que ele, Aristóteles, como o desbravador de um novo universo, naturalmente acabou não concebendo. Como esclareceu o prof. José Monir Nasser:

“As Sete Artes liberais da Idade Média, divididas em trivium (retórica, gramática e lógica) e quadrivium (aritmética, música, geometria e astronomia), tomaram esta forma por volta do ano oitocentos, quando se inaugurou o império de Carlos Magno, primeira tentativa de reorganizar o Império Romano, e são o resultado de lenta maturação a partir de fontes pitagóricas e possivelmente anteriores, com decisivas influências platônicas, aristotélicas e agostinianas e complementações metodológicas de Marciano Capela (início do século V), Severino Boécio (480-524) e Flávio Cassiodoro (490-580), até chegar a Alcuíno (735-804), o organizador da escola carolíngea em Aix-en-Chapelle.”

Apesar dessa origem tão múltipla, a compilação feita pela Irmã Miriam Joseph trabalha noções de lógica (entre tantas outras coisas) que certamente auxiliarão a compreensão dos Primeiros Analíticos que pretendo começar a ler na sequência. Até.

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Como disse no último post, começarei o estudo da filosofia de Aristóteles pelas obras a respeito da linguagem – o que se convencionou chamar Organon.

Desde a última vez que nos falamos, já houve uma modificação no planejamento inicial, que atualmente é o seguinte — os números se referem aos meses, de fevereiro a novembro:

1) Categorias e Da Interpretação
2) Poética, Retórica e Analíticos Anteriores
3) Analíticos Posteriores, Tópicos e Refutações Sofísticas
4) Metafísica
5) Metafísica
6) De Anima e Geração e Corrupção
7) Física
8) Ética a Nicômaco
9) Ética a Nicômaco
10) Política

A modificação foi a seguinte: a obra Da Interpretação, que seria estudada em abril, foi adiantada para fevereiro. Os Tópicos, previstos para março, passaram para abril. Analíticos Primeiros, prevista para abril, veio para março. Poética passou de fevereiro para março. Tudo isso visa a acomodar o estudo das obras naquilo que, segundo parte dos comentadores, seria uma ordem ideal de aprendizado.

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Pretendo anotar, aqui, semana a semana, um breve relatório desse estudo, que, em sua primeira parte, provavelmente durará cerca de cinquenta semanas. É verdade que nem tudo na vida (ou quase nada) se encaixa perfeitamente em nosso planejamento inicial. Porém, planejar é preciso. A primeira etapa desse estudo será a leitura de três obras introdutórias, de pouco fôlego: Aristóteles, de Émile Boutroux, Aristóteles, de Enrico Berti, e Aristóteles Para Todos, de Mortimer J. Adler. Após, mês a mês, irei dedicar-me…

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