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Ela canta, pobre ceifeira (Fernando Pessoa)

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Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões p’ra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente ‘stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!

Ah! Poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!

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Primaveras (Casimiro de Abreu)

I

A primavera é a estação dos risos,
Deus fita o mundo com celeste afago,
Tremem as folhas e palpita o lago
Da brisa louca aos amorosos frisos.

Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
E doce e bela no tapiz das flores
Melhor perfume a violeta exala.

Na primavera tudo é riso e festa,
Brotam aromas do vergel florido,
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.

A natureza se desperta rindo,
Um hino imenso a criação modula,
Canta a calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo porque o céu é lindo.

Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga,
Murmura a brisa: – Como é linda a veiga!
Responde a rosa: – Como é doce o orvalho!

Onde estão todos eles?

“I´m goint to be on television!”

Grandes multidões em grandes espetáculos; milhares de pessoas matando o tempo, jogando conversa fora, idolatrando artistas vulgares: é verdade que não é possível culpar a modernidade por esse fenômeno, de que a história ocidental está repleta.

Por muito tempo, na minha adolescência, eu freqüentei shows de rock e de música pop. Eu gostava de ver o desempenho dos artistas ao vivo e de saber que aqueles caras, que eu ouvia em casa através de LPs e de fitas K7, estavam ali ao alcance do meu olhar.

Estou escrevendo uma entrada em minhas memórias de infância e resolvi procurar no YouTube alguns vídeos de canções que ouvia naquela época. Procurei então, especificamente hoje, algum registro da música Festa do Interior, cantada pela Gal Costa. Encontrei um vídeo em que ela canta essa canção, depois de Açaí.
No início desse pequeno vídeo,…

Sonetos Gêmeos (Augusto Meyer)

I

Gota de luz no cálice de agosto,
Sabe a lúcida calma o desengano.
Em vão devora o tempo o mês e ao ano:
Vindima é a vida, vinho me é o sol-posto.

Cobre-se o vale de um rubor humano.
Um beijo solto voa no ar, um gosto
De uva madura, um aroma de mosto
Desce da rubra luz do céu serrano.

Vem, noite grave. E assim chegasse o outono
Meu, tão sutil e manso como agora
Mesmo subiu a sombra serra acima…

Tudo se apague e a hora esqueça a hora,
Que só do sonho eu vivo, e grato é o sono
A quem provou seu dia de vindima.

II

A quem provou seu dia de vindima
Votado ao outro lado, ao eco, ao nada,
Grata é a sombra mais longa e o fim da estrada
Começo de um descer, que é mais acima.

Grave, de uma tristeza inconsolada
Mas fiel, a minha sombra é a minha rima.
Princípio de um além que se aproxima
É o fim, talvez limiar de…

Salmo (Antero de Quental)

ESPEREMOS EM DEUS! Ele há tomado
Em suas mãos a massa inerte e fria
Da matéria impotente e, num só dia,
Luz, movimento, ação, tudo lhe há dado.

Ele, ao mais pobre de alma, há tributado
Desvelo e amor: ele conduz à via
Segura quem lhe foge e se extravia,
Quem pela noite andava desgarrado.

E a mim, que aspiro a ele, a mim, que o amo,
Que anseio por mais vida e maior brilho,
Há de negar-me o termo deste anseio?

Buscou quem não o quis: e a mim, que o chamo,
Há de fugir-me, como a ingrato filho?
Ó Deus, meu e abrigo! espero!… eu creio!

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