fbpx

Brisa (Manuel Bandeira)

Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.

Related Articles

Primaveras (Casimiro de Abreu)

I

A primavera é a estação dos risos,
Deus fita o mundo com celeste afago,
Tremem as folhas e palpita o lago
Da brisa louca aos amorosos frisos.

Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
E doce e bela no tapiz das flores
Melhor perfume a violeta exala.

Na primavera tudo é riso e festa,
Brotam aromas do vergel florido,
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.

A natureza se desperta rindo,
Um hino imenso a criação modula,
Canta a calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo porque o céu é lindo.

Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga,
Murmura a brisa: – Como é linda a veiga!
Responde a rosa: – Como é doce o orvalho!

O cadinho do poeta: transmutação das emoções morais em emoções estéticas

Manuel Bandeira, em Itinerário de Pasárgada:
Tomei consciência de que era um poeta menor; que me estaria para sempre fechado o mundo das grandes abstrações generosas; que não havia em mim aquela espécie de cadinho onde, pelo calor do sentimento, as emoções morais se transmudam em emoções estéticas: o metal precioso eu teria que sacá-lo a duras penas, ou melhor, a duras esperas, do pobre minério das minhas pequenas dores e ainda menores alegrias.

Mas ao mesmo tempo compreendi, ainda antes de conhecer a lição de Mallarmé, que em literatura a poesia está nas palavras, se faz com palavras e não com ideias e sentimentos, muito embora, bem entendido, seja pela força do sentimento ou pela tensão do espírito que acodem ao poeta as combinações de palavras onde há carga de poesia.

Aqui posso ocupar-me com o próprio Aristóteles (Constantin Noica)

“Prefiro viver num país onde tudo ainda está por fazer a viver num país em que as grandes aventuras do espírito já foram realizadas. O que eu faria se fosse para a Europa Ocidental? Não encontraria nenhum espaço a menos que dirigisse minha atenção a algum obscuro comentador de Aristóteles, a algum texto apócrifo, a algum fragmento incerto. Aqui posso tranquilamente ocupar-me com o próprio Aristóteles. O tempo do ‘alexandrinismo’ ainda está distante. Regozijemo-nos no frescor do ‘arcaico’ e não esqueçamos – sob a influência de uma deficiência real – a experiência privilegiada do possível”. (Constantin Noica [1908-87], em resposta a Andrei Plesu, que lhe perguntou por que não foi para o exílio na Europa Ocidental, extraído deste site).

Meditações peripatéticas

Como em turvas águas de enchente, eu vivi até o final da minha adolescência tardia na selva tenebrosa das pedagogias falidas, conduzidas por cegos e ‘animadas’ por uma plêiade de ideias feitas de palha. O Sol e a Lua da minha segunda infância, entre eclipses e estranhos desalinhamentos, já não ofereciam orientação suficiente: muito cedo os vi apontando para dois polos-norte. Mas a privação de alimento só fez aumentar a fome de sentido. Submergido entre destroços do presente, porém movido por uma curiosidade insaciável, passei alguns dos mais preciosos anos da minha vida tropeçando em livros de quarta categoria. Os companheiros de naufrágio — poucos, muito poucos — buscavam salvação em outras tábuas no vasto mar das perspectivas sem futuro. Só Deus sabe como me preservei; e como, depois de apanhar um pouco, fui tomando coragem para reconhecer, mea culpa, que as relações que eu mantinha comigo mesmo, com as…

Responses