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Soneto da Terceira Margem

O terno carinho que brota de teu peito
Dá volta ao mundo e bate às portas da minha alma
Já tensa pela angústia mansa que, com calma,
Se perde em dores cegas sem qualquer proveito
Estás em tua canoa velha sobre o leito
Do rio imenso que é a vida que escolheste
Eu ouço a voz que chama como quem investe
Na tradição de um sonho que julgas perfeito
Porém, meu pai, vacilo e já não sei se devo
Tomar teu posto neste barco ensandecido
Em que repetes de ancestrais o argumento
Estreitas são as margens do sonho primevo
De que outrora desejei tomar partido!
Eu serei homem depois desse falimento?

 

Declaração do poema, por Roberto Mallet:

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Sonho (Antonio Machado)

Lá do umbral de um sonho me chamaram…
Era a suave voz, a voz querida.

— Diz-me: virás comigo a ver a alma?…
Veio a meu coração uma carícia.

— Contigo sempre… E segui em meu sonho
por uma larga, precisa galeria,
sentindo o roçar da veste pura
e o palpitar suave da mão amiga.

Sonetos Gêmeos (Augusto Meyer)

I

Gota de luz no cálice de agosto,
Sabe a lúcida calma o desengano.
Em vão devora o tempo o mês e ao ano:
Vindima é a vida, vinho me é o sol-posto.

Cobre-se o vale de um rubor humano.
Um beijo solto voa no ar, um gosto
De uva madura, um aroma de mosto
Desce da rubra luz do céu serrano.

Vem, noite grave. E assim chegasse o outono
Meu, tão sutil e manso como agora
Mesmo subiu a sombra serra acima…

Tudo se apague e a hora esqueça a hora,
Que só do sonho eu vivo, e grato é o sono
A quem provou seu dia de vindima.

II

A quem provou seu dia de vindima
Votado ao outro lado, ao eco, ao nada,
Grata é a sombra mais longa e o fim da estrada
Começo de um descer, que é mais acima.

Grave, de uma tristeza inconsolada
Mas fiel, a minha sombra é a minha rima.
Princípio de um além que se aproxima
É o fim, talvez limiar de…

Entre o sono e sonho (Fernando Pessoa)

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre –
Esse rio sem fim.

Soneto de fidelidade (Vinícius de Moraes)

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

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