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Para sempre (Carlos Drummond de Andrade)

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
– mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

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Do azul, num soneto (Alphonsus de Guimaraens Filho )

Verificar o azul nem sempre é puro.
Melhor será revê-lo entre as ramadas
e os altos frutos de um pomar escuro
– azul de tênues bocas desoladas.

Melhor será sonhá-lo em madrugadas,
fresco, inconstante azul sempre imaturo,
azul de claridades sufocadas
latejando nas pedras – nascituro.

Não este azul, mas outro e dolorido,
evanescente azul que na orvalhada
ficou, pétala ingênua, torturada.

Recupero-o, sem ter, e ei-lo perdido,
azul de voz, de sombra envenenada,
que em nós se esvai sem nunca ter vivido.

Soneto em Forma de Oração

Ser ou não ser: eis a questão que a vida
A ti apresentou ainda menina
Teu sim a Deus selou a minha sina
Nasci, teu filho; e tu, minha mãe querida
Também nasceste: a ti foi concedida
A graça, entre as maiores, feminina
De ser mãe – ventre santo de onde mina
Um amor que ama sem qualquer medida.
Tal é teu desmedido coração
Que com paixão marcaste meu destino:
Amar porque me amaste por primeiro
É justo que eu suplique em oração
A Deus que, em vez de prêmio pequenino,
O Céu a ti entregue por inteiro

Os Ombros Suportam o Mundo (Carlos Drummond de Andrade)

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

 

Declamação que fiz deste poema:

https://youtu.be/5yZmCzHLqAM

Há metafísica bastante em não pensar em nada (Alberto Caeiro)

V

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por…

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