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A sua opinião é verdadeiramente sua?

Assistimos, todos os dias, no noticiário, em colunas de jornal, em blogs, a uma grande variedade de opiniões sobre os mais variados temas. A discussão entre duas correntes de pensamento – às vezes entre três ou quatro – é um lugar comum na nossa vida nacional dita civilizada. Algumas dessas discussões chegam praticamente às vias de fato virtuais – nova modalidade de briga de gangues que, bem ao gosto moderno, não deixa feridos e não termina (ou não costuma terminar) na delegacia.
A pergunta que muitos frequentemente levantam é: será que essas pessoas, que defendem determinados pontos de vista que julgamos nocivos à vida social, estão contribuindo conscientemente para o mal? Um defensor, por exemplo, da liberalização irrestrita do uso de drogas ou da livre prática do aborto tem consciência do que está fazendo? Em geral a resposta é não. Pelo menos não completamente. É impossível que todos os soldados tenham a mesma amplitude de consciência do general. A faxineira, a cozinheira e o office-boy de determinada sociedade empresária contribuem de algum modo para o êxito dos negócios, mas não têm propriamente consciência da estratégia institucional adotada pelos diretores. Além disso, se o nosso interesse é a promoção do bem comum e não o julgamento de condutas individuais (tarefa que caberá a outras instâncias) não importa saber se as pessoas têm consciência do mecanismo para o qual estão contribuindo; o que importa é se estão efetivamente contribuindo e, nesse caso, se podemos alertá-las dos efeitos de seus atos.
Você só pode dizer que uma sua ação é autêntica quando você tem consciência de todas – ou pelo menos das mais significativas – linhas causais que determinam hoje (ou determinavam então) a sua existência. Isso é coisa para poucos! Se você não sabe de onde vieram as suas ideias, é certo que você algum dia – que você não se lembra – as captou e as incorporou como suas por algum motivo que lhe pareceu interessante (e que você também não se lembra). A partir daí, há em você uma concepção de mundo que nos momentos de baixa consciência (que na maioria das pessoas são os mais frequentes) servirá de base para seus julgamentos e ações.
Pergunte a si próprio: quando a ideia lhe foi comunicada pela primeira vez, você estava frustrado com alguma coisa em sua casa e a ideia lhe pareceu colocar as coisas em seu devido lugar? Estava apaixonado pela moça que lhe falou sobre o assunto? Você ouviu essa opinião no Domingão do Faustão, no Programa do Jô? Um professor que lhe pareceu bem informado lhe transmitiu a opinião? Tudo isso são razões sentimentais para que você tenha aderido a uma ideia, a uma cosmovisão, em determinada época da sua vida. Desde então essa concepção se incorporou em você e a partir daí você tem a firme convicção de que ela é a pura expressão da verdade, ou, no mínimo, é a sua opinião – e você frequentemente não gastou cinco minutos argumentando em favor da tese contrária, para testá-la.
Fique atento às ideias que estão sendo plantadas na sua cabeça pela televisão, pelos jornais, pelas músicas, pelos formadores de opinião. Sempre que possível, teste-as na realidade. Não ache que a faculdade de Direito o torna imune às bobagens fecundadas no solo fértil dos debates culturais.

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Ainda sobre a mania de pensar com a própria cabeça

As pessoas falam de tudo um pouco no meu canal no YouTube, mas o comentário mais recorrente é uma variação em torno de: “você cita muito o Olavo de Carvalho e isso pode fazer as pessoas pensarem que você não tem ideias próprias”.

O espaço de comentários do YouTube não permite grandes discussões, mas a vontade que dá é perguntar a essas pessoas quem são suas referências. Como provavelmente a maioria delas diria ou “eu não me prendo a referências; eu penso com minha própria cabeça” ou “eu formo minha própria opinião lendo notícias e artigos de jornais”,
eu teria logo uma evidência de que a objeção inicialmente levantada contra mim não tem a menor consistência.

Ora, entre os grandes filósofos não existe nem nunca existiu essa modinha, tão disseminada entre os néscios, de “pensar com a própria cabeça”. Não. Aristóteles, quando filosofava, tinha plena consciência de fazê-lo também com as cabeças…

Para começar a ler Platão

É muito bom que você tenha interesse em estudar Platão. Porém, a não ser que você seja um gênio autodidata, pode não ser bom que você comece pela leitura direta (e seca) dos diálogos. Isso porque no começo dos estudos as pessoas não têm habilidade suficiente para compreender o que, raios, está sendo tratado pelos interlocutores. No início, os olhos do estudante são como os olhos de um recém-nascido: só enxergam vultos.

É verdade que em algum ponto de uma vida de estudos o aspirante a filósofo sairá da caverna e terá sua vista ofuscada pelo Sol. Sim, é verdade. Mas para compreender o que é essa luz e como voltar a enxergar aos poucos, é preciso que você já tenha entendido que a vida na caverna, a visão das sombras, não é propriamente uma vida plena; e, principalmente, é necessário que você tenha desenvolvido um desejo firme o suficiente pela luz do Sol. E isso se faz…

Solidão e convivência: a vida de estudos é feita dessa tensão

A maioria das pessoas acha que quer ter vida intelectual, mas não tem noção do quê devem abrir mão para nela ingressar. Para estudar de verdade, você terá de fazer escolhas. Comece, então, optando pela simplificação.

Você deve simplificar a sua vida antes de começar a estudar de verdade.

Em primeiro lugar, o seu ambiente de estudos deve ser um ambiente austero, bonito, que lhe permita entrar em sintonia com o assunto que tem em mente. A vida social também deve ser simplificada. Não é interessante que você frequente todas as festas da região. Conserve a solidão no começo, para que você possa encontrar-se a si próprio. No livrinho Imitação de Cristo há a lição de alguém que de cada encontro social voltava um pouco menos ser humano — ou seja, voltava um pouco menos ele próprio. É preciso muito treino para conservar sua individualidade nos encontros sociais. O homem médio não consegue isso e se perde…

Para que serve (se é que serve) a cultura literária?

É verdade que os escritores em geral resistem em atribuir alguma utilidade à literatura. Para eles, a literatura não deve ter nenhuma serventia. E nisso estaria precisamente um de seus mais relevantes objetivos: a literatura existe para indicar que nem tudo na vida está aí para preencher determinada função na engrenagem social. Numa época tão excessivamente funcionalista como é a nossa, a literatura seria, então, o espaço livre fora da fábrica, em que os operários podem respirar ar puro — esquecidos de sua condição de mera peça de uma indústria de pregos e parafusos.
Porém, se bem que muitos tratem a literatura de ficção como passatempo ou diversão (ainda que uma diversão necessária), é evidente que ela responde a inquietações humanas muito sérias e profundas. E isso é assim porque a literatura de ficção é parte da cultura; é parte da herança que recebemos como participantes de uma determinada civilização. Quem quer que pretenda…

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