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Aula 1, Parte 4
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Vladimir Nabokov e suas aulas de literatura

Monitor 17 de maio de 2024
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O escritor russo Vladimir Nabokov nasceu em São Petersburgo, mas se mudou, com a família, para a Alemanha depois da Revolução Russa. Anos depois, já nos Estados Unidos, chegou a dar aulas de literatura em três universidades. No Brasil, a Editora Três Estrelas publicou os excelentes Lições de Literatura e Lições de Literatura Russa.

No final de Lições de Literatura, o editor inseriu o texto que segue, chamado de L’Envoi (curiosamente, uma das traduções possíveis para o francês l’envoi é expedição ou embarque). Grifei as partes do texto que me pareceram mais interessantes.

L’envoi

Para alguns de vocês, pode parecer que, nas condições muito irritantes do mundo de hoje, seria uma perda de energia estudar literatura, em particular, estudar a estrutura e o estilo. Sugiro que, para certo tipo de temperamento – e todos nós temos temperamentos distintos –, o estudo do estilo pode sempre parecer uma perda de tempo sob quaisquer circunstâncias. Não obstante, me parece que em todas as mentes, sejam elas mais inclinadas ao artístico ou ao prático, sempre existe uma célula receptiva para coisas que transcendem os graves problemas do cotidiano.

Os romances que aqui absorvemos não lhes ensinarão nada que vocês possam aplicar a algum problema óbvio da vida. Não ajudarão no escritório, no campo de treinamento do Exército, na cozinha ou no quarto do bebê. Na verdade, o conhecimento que venho buscando compartilhar com vocês é puro luxo. Não os ajudará a entender a economia social da França ou os segredos do coração de uma mulher ou de uma jovem. No entanto, pode ajudá-los, se seguiram minhas instruções, a sentir a satisfação pura que uma obra de arte inspirada e precisa propicia; e essa satisfação, por sua vez, contribui para criar uma sensação de conforto mental mais genuíno, o tipo de conforto que sentimos quando nos damos conta de que, malgrado seus erros e tropeços, a textura interna da vida constitui também uma fonte de inspiração e precisão.

Durante o curso, tentei revelar o mecanismo desses maravilhosos brinquedos – obras-primas literárias. Procurei fazer de vocês bons leitores, que leem livros não com o objetivo pueril de se identificarem com os personagens, não com o objetivo juvenil de aprender a viver, e não com o objetivo acadêmico de se permitir generalizações. Tentei ensiná-los a ler livros pelo prazer de conhecer suas formas, suas visões, sua arte. Busquei ensiná-los a sentir o calafrio da satisfação artística, a compartilhar não as emoções das pessoas no livro, mas as emoções de seu autor – as alegrias e as dificuldades da criação. Não conversamos em torno de livros, sobre livros: fomos diretamente ao centro desta ou daquela obra-prima, ao coração pulsante da matéria.

O curso agora chega ao fim. O trabalho com esse grupo foi uma associação especialmente agradável entre a fonte de minha voz e um jardim de ouvidos – alguns abertos, outros fechados, muitos bastante receptivos, uns poucos apenas ornamentais –, porém todos humanos e divinos. Alguns de vocês continuarão a ler grandes livros, outros deixarão de ler grandes livros depois de se formarem; e, caso alguém se creia incapaz de desenvolver a capacidade de derivar prazer da leitura de grandes artistas, essa pessoa então não deveria mesmo lê-los. Afinal, há outros prazeres e emoções em diversas áreas: a excitação da ciência pura é tão prazerosa quanto a da arte pura. O mais importante é sentir aquele formigamento em qualquer campo do pensamento ou da emoção. Corremos o risco de perder o melhor da vida se não soubermos como sentir tal formigamento, se não aprendermos a nos erguer só um pouquinho acima do que somos no dia a dia a fim de provar os mais raros e maduros frutos da arte que a mente humana tem para nos oferecer.

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